Até o mais protozoário dos seres sabe que nunca tive apreço por cozinhar. Menos
por resistência do que por falta de oportunidade ou catalisadores: o pouco
espírito Amélia da minha mãe passa bem longe do fogão; não fui criada perto de
avós e afins; quando fui morar sozinha -- época em que, geralmente, as pessoas
aprimoram certas habilidades além do miojo-quando-a-mãe-viaja --,
rachava de estudar (por outras várias razões) e não tinha tempo. Somou-se a
esse cenário, a disposição pela organização política, a vida profissional
(leia-se louca e bandida) ganhou corpo e... bom... cheguei na casa dos quase-30
sem ter um banquete digno para chamar de meu. Não significa, claro, que eu não
saiba fazer o básico. Mas em tempos em que ser gourmet é modinha e fazer
gastronomia não é mais perda de tempo, estou longe de olhar para a cara do
alho-poró e chamá-lo de melhor amigo. Receitas que se intitulam
básicas-e-rápidas-de-fazer e me pedem molho curry com
misto-de-ervas-finas-colhidas-no-topo-do-tibet me dão preguiça. E olha que morei
em BH durante quatro anos. Terra em que adolescentes de 15 anos trocam receitas
de pão de queijo no busão voltando da escola. Não desenvolvi aquele prazer
quase orgasmático dos cozinheiros ao verem outras pessoas degustando e
aprovando o "prato". Só penso na louça para lavar e no quanto nenhuma
dessas gulosas contribuiu para o trabalho. Tudo fluía nesse limbo de a cozinha
ser o magma da injustiça coletiva doméstica até o molho de tomate. Não sei por
cargas d'água, enjoei do molho pronto. Birra total. Eu, ser humano livre das
frescuras do povinho gourmet, estava lá... com chiliques e cara feia diante do
Pomarola na estante do supermercado. Resolvi encarar a realidade, comprar os
tomates vermelhinhos e saciar a recém-exigência surgida das entranhas. Ficou tão
bom que resolvi aprimorar. E toda noite, na volta para casa, penso no que posso
comprar pelo caminho e, pasmem, cozinhar. Para mim.
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