sábado, 9 de novembro de 2013

Flores e malas.

Plaza de Mayo, Buenos Aires. Ela, feminista e revolucionária. Ele, intelectual de esquerda. Há três dias, viviam aquela relação típica de quem procura ser livre dentro da prisão. Ele voltaria para o Brasil naquele dia. Combinaram de se encontrar no fim da tarde para irem juntos ao aeroporto. Ela então resolveu surpreender: comprou uma rosa em um dos quioscos da capital argentina. Calculou o tempo exato até se encontrarem, de modo que a flor não murchasse e preparou uma mega operação para escondê-la dentro do casaco, sem danificá-la. 
Frio na barriga. E no corpo inteiro: o fim do inverno ainda pelejava no vento cortante dos portenhos. Cinco em ponto, nada. Mais 10 minutos e apenas rostos de turistas, trabalhadores urbanos ensandecidos e vendedores de imãs na praça. A mão cansa de segurar. Ele vai perder o voo. Será que ele vai gostar? Será que alguém já subverteu a ordem para ele algum dia? 15 minutos. Ele aponta lá na esquina, todo ofegante, com a bagagem nas mãos. Ela prepara aquele momento, tem tudo para ser emocionante, abre aquele sorriso, põe a mão dentro do casaco e:
-- Para você!
-- Mas não era eu quem tinha que fazer isso? 
Ela já desapontada, enquanto seu ombro era novamente atraído pela gravidade:
-- Sim, mas eh sempre bom subverter as regras, não?
-- É, você tem razão. 
-- Obrigado. 
-- Agora, você sabe o que vai ter que fazer com ela, né? 
Um fio de esperança irá salvar aquele momento:
-- O quê?! 
-- Carregar... porque eu estou cheio de mala... e estou atrasado.

Ela caminhou com a própria rosa nas mãos. Desolada. Quem acabava de chegar, jurava ter acontecido mais uma daquelas lindas cenas. Uma vózinha até suspirou de emoção. Ao entrarem no metrô, uma criança carente, ao pedir uma moeda para o casal e lhe ser negada, apela:
-- Moça, então me dá esta rosa?
-- Claro.
Ele nem percebe. Ela só pensa que, pelo menos a rosa, teve um fim mais digno.

Para 
Bia Nogueira-Lotado
, com amor.

Nenhum comentário:

Postar um comentário