quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Grande Tucanistão Veredas #1

Eu e uns amigos estávamos em um bar.
Começou a chover.
Forte.
Por mais de vinte minutos.
O homem da mesa ao lado levantou-se abruptamente...
e fez o que todo paulistano sensato faria:
sacou o celular para registrar.
Nunca se sabe.
E a vida segue em Grande Tucanistão Veredas.

Drama 24 de dezembro

-- Filha, que saudades! Estava te esperando...
-- Eu também, mãe! Que linda! Me esperando... praaa...?
-- Ir ao shopping!
-- Oi?
-- É, oras.
-- Cê jura?
-- Sim.
-- Hoje?
-- É.
-- Véspera de Natal?
-- An-ham.
-- Qual?
(Ainda refletindo na pergunta sobre a livre escolha de qual barbárie enfrentar)
-- Dom Pedro
(Calafrio na espinha)
-- Fazer o quê?
-- Comprar seu presente.
-- Meu? Só meu?
-- Sim, não quis comprar sem a sua companhia.
(Olha o gooolpe)
-- Sério?
-- É...
(Eu já manjada dos paranauê maternal)
-- Deixa pra depois então, meu maior presente é a sua companh...
-- Ah... mas também faltou ainda a lembrancinha da fulana, beltrana...
(bingo)
-- Mas...
-- Vamos enfrentar isso juntas.
(Como uma espartana convocada para a guerra do Peloponeso)
-- Vale pelo menos almoçar em casa pra poupar a cena do restaurante?
-- Vale. Relaxa, filha, já enfrentamos coisas piores...
--... (suspiros)....
‪#‎prayforme‬

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

SP Off-road #1

-- Ana Clara, quanto tempo! O que você anda aprontando?
-- Eu? Aprontando? Nada. Sou um poço de serenidade. 
-- Tá trabalhando no mesmo lugar?
-- Sim, continuo aqui...
-- E esta cidade maravilhosa?
[deve ter confundido]
-- São Paulo?
-- É, oras...
-- Água acabando, gente querendo a volta da ditadura militar, cantor puxando passeata fascista, deputado eleito dizendo que fuzila a presidenta, um bando de birrento que só questiona a eleição porque perdeu, tem uma galera de luto pela democracia que eles não sabem exercer e querem acabar, tá assim, digamos, uma beleza... melhor impossível.

sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Água e processo eleitoral.

Não é só xingar o governador pela incompetência administrativa e associá-lo ao candidato do mesmo partido. É muito pior do que isso.

Vejo que as pessoas reclamam da água, depois da polarização eleitoral e associam uma coisa à outra apenas pelo viés seu-coxinha-desinformado versus seu-petralha-de-uma-figa.

Semana passada, estive em uma reunião do Conselho da Cidade aqui em São Paulo do qual participou Vicente Andreu, diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA). A minha pauta nem era água, era iluminação. Mas fiquei para ouvir e me estarreci.


Depois de uma longa explanação sobre como era formado o sistema Cantareira, Andreu apontou quatro fatos concretos e irrefutáveis:

1)      Nunca atravessamos uma seca tão grande
2)      Existe empenho por parte da Sabesp em suprir a falta de provisão
3)      As decisões que precisavam ser tomadas no passado não foram tomadas (se fossem, a situação seria outra)
4)       O processo eleitoral tem dificultado a tomada de decisão e, consequentemente, tem diminuído as alternativas (de salvar o estado)

De que maneira o processo eleitoral “dificulta” a tomada de decisões importantes?
Andreu explica:
1)      A gestão de saneamento e água distribuída é feita pela Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia). É ela quem regula a tarifa e o controle praticado pela Sabesp.
2)      Como sabemos, o uso de água é semelhante ao de energia: quanto maior a renda, maior o consumo.
3)      Para que a Arsesp reprograme a tarifa em função do consumo, o governador precisa RECONHECER o racionamento, por meio de decreto, porque já existe uma Lei de Saneamento. Em outras palavras, para aplicar tarifa, o governo precisa decretar situação de escassez, o que AINDA NÃO FOI FEITO.
4)      Em termos de estado, você só reconhece uma situação oficialmente, portanto é como se o governo entendesse que absolutamente NADA está acontecendo – que  não existe uma falta de água batendo à porta das casas.

Com esse clima “nada acontece, feijoada”, estamos expandindo o potencial da crise hídrica para toda a Grande São Paulo. Além do decreto, existe outra medida que está inviabilizada por conta do processo eleitoral.

Vicente é didático mais uma vez:
A água que abastece a RMSP vem de duas formas: gravidade e bombas. O volume morto tem 400 milhões m³ de água (mas nem todo ele está disponível). O governo pediu 180 milhões m³. Desses, temos hoje pouco mais de 30 milhões m³.

Quanto entra e quanto sai de água no Sistema Cantareira?
O ideal é que entre 25m³ de água por segundo. Hoje, entram apenas TRÊS m³ e tiramos 24m³. Esta situação está insustentável desde o início do ano e, a partir de junho, NENHUMA regra foi fixada. As medidas que poderiam ter sido feitas antes não foram feitas.

Alternativas?
A médio prazo, a  ÚNICA alternativa é avançar no Volume Morto, não existe nenhuma outra. Poços alternativos e carros pipas podem até resolver em cidades pequenas com, no máximo, 150 mil habitantes. Mas para uma cidade do porte de São Paulo são medidas que, definitivamente, não resolvem.

IMPASSE
Para tirar mais água do Volume Morto, o governo do estado precisa estabelecer as vazões a médio e longo prazo. Ou seja, precisa de um estudo que deveria ter sido entregue em AGOSTO e não foi, porque, como sabemos, seria reconhecer o estado de escassez. Isto significa que teremos que sacrificar nosso FUTURO a médio prazo.

FATO ELEITORAL
O mais importante é que as decisões estão sendo tomadas em nome de vocês, sem vocês escolherem. O reservatório foi tão consumido que tomar um ou outra decisão significa 10 ou 15 dias de administração de governo. Se tivéssemos discutido antes, a situação seria outra. Ou chove ou a RMSP vai ter conviver com restrições absolutamente inéditas na nossa história. A água não existirá.

>> Porque racionamento se faz quando tem água, racionamento sem água é absolutamente incontrolável. Onde não há a opção de fazer o gerenciamento técnico, o resultado é descontrole <<.

O que mais espanta é que a sensibilização para o tema inacreditavelmente não aconteceu, nem nas mídias, nem nos jornais, nem por parte do próprio governo.  

Cultura.
Nós, paulistas e paulistanos, não temos a cultura necessária para nos adaptar a uma situação de escassez. Aqui, com mais água, vamos enfrentar muitos mais problemas com a população do que o semi-árido, por exemplo.

Sobre o período de chuvas.

Honestamente, a única previsão que podemos garantir com segurança sobre chuvas é de 5 dias. Para 15 dias, podemos ter alguma margem de acerto. Mais do que isso, é trabalhar com modelos. Todo instituto sério admite isso. Portanto é leviano trabalhar com previsões de 15 dias ou mais. O único jeito para São Paulo é ou chove, ou chove.

a pé

Mobilidade urbana invadiu meu peito no trampo. Estou enfronhada com o tema até às tampas. Aí a gente se dá conta porque faz certas escolhas. Política pública apaixona. De verdade. Você corre, pá, e tal, e fica atrás de dados ciclovias, vira a loucona das faixas, rói as unhas com a repercussão, vive de pauta, de bloco, de síntese, de contexto. A sociedade entendeu? É transporte público. Vamos lá. Todo mundo na rua, isso. Olha pela janela. Tá lá. Faixa. Não é só vinte centavos, nem só mobilidade, é direito à cidade. É pedestre, gente, bike, gente, moto, gente, busão, gente, metrô, gente. Tudo gente ali, me dá um espaço aí. Tipo texto com pensamento atropelado, fica confuso, mas vai, tem que ir. Ajeita, desenrola e sai do padrão, a coisa emperrada, o carro que fala inglês, alemão, francês, faz baliza sem mandar e não sai do lugar. E então o coletivo, o contato, o humano, o todo mundo é igual que flui, aos poucos. O silêncio da bike, inspiração no banho, instante inesperado, divagar no horizonte do viaduto do chá e pá, passou, sem ruído, andou, próximo parágrafo, por favor. É literatura urbana, da coisa que flui, que anda, cidade que pensa é assim, não para, escreve, se move e apaixona.

Grande Tucanistão Veredas #0

Outro dia, o céu estava ligeiramente nublado, e uma amiga disse: "vamos logo pra casa, Ana, se não vamos tomar chuva". Eu parei. Pensei. E sentenciei: "tomara". Quero chegar encharcada reclamando dos meus pés enrugados, da barra da calça, do cabelo úmido, de inutilizar 3 sapatilhas por verão, de perder 20 sombrinhas, de ver gente brotar do além para vender guarda-chuva no primeiro pingo d'água e da impossibilidade de se locomover sem chegar no destino parecendo que saiu da guerra. E não. Não choveu.

quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Sobre meritocracia. Um pouco da minha história.

Estudei em mais de 12 escolas em toda vida. Até a 6ª série do ensino fundamental (1996) passei por várias escolas públicas. Em todas, via meus amigos esconderem parte de sua cota de bolacha no bolso, porque não tinha o que comer. Não tinha essa de vítima, era comum. Aliás era coisa da malandragem, de esperto. Porque se alguém descobrisse que havia bolacha a mais, não engolida antes de acabar o recreio, corria o risco perder para algum marmanjo esfomeado. Tinha que ser sagaz.
Em 97, minha mãe já estava desesperada sobre o que fazer com minha formação. Não tínhamos dinheiro. Meu maior presente de Natal era uma calça jeans da feira perto de casa. Prestei uma prova de BOLSA para estudar no sistema Objetivo, que tinha acabado de chegar na cidade. Fiquei em 4º lugar. Ganhei 80% de bolsa até o fim do colegial. E ainda assim, com os 20% restantes, perdi as contas de quantos bimestres passei sem apostila, usando a xérox do coleguinha, por atraso de pagamento.
As “amigas” da minha mãe e até algumas tias já tinham decretado o irrevogável: “o lugar da Ana Clara é em balcão de loja; vai ser caixa de supermercado para aprender a viver de acordo com o que ela tem e não com o que ela quer; onde já se viu ELA estudar em escola particular; a Mara vai deixá-la muito mal acostumada”. Minha mãe sempre me empoderou o suficiente para fazer ouvidos moucos. Um universo abriu-se. Guardo a edição do Objetivo de “David Copperfield”, do Charles Dickens, até hoje, quase como um trunfo. Gastei letrinha adoidado de tanto ler e estudar.
Veio o vestibular. Por várias razões que não cabem aqui, pude escolher o curso que quis, mas fui obrigada a morar em Campinas. Não existe jornalismo em universidade pública na cidade, então prestei PUCC e Facamp. Passei nas duas. Era 2002. Por qualidade, optei pela Facamp, o preço da mensalidade era equivalente a um curso de medicina. Só pude estudar porque consegui uma BOLSA de 70%. Não bastou ter sido uma das primeiras alunas da classe no colegial. O meu destino continuava sendo aquilo que a sociedade queria que eu fosse: menina pobre do interior alfabetizada para assinar o próprio nome e abrir crediário. E então tantas outras vezes, me foi decretado: “como assim a Ana Clara vai estudar na Facamp? Aquilo é faculdade pra rico, não pra ela; por que ela precisa disso? É muito puxado; Mara, lá não é realidade para sua filha, você está louca? Saiba que não adianta pedir dinheiro, não vou ajudar”. Não precisamos pedir para ninguém. O que precisávamos já tínhamos conseguido: o acesso.
O restante da minha história, depois de formada, todos já conhecem.


Não gosto de pensar no “Se”. É um exercício especulativo, geralmente vão, que não leva a lugar algum. Mas a convicção da minha história é tamanha que me permito a digressão. Ou melhor, me permito enfiar o dedo na cara de filhinho de papai mimado, que não entende nada de realidade. Que não sabe o que é viver no limiar de uma sociedade injusta e desigual e enche a boca para falar de meritocracia. Take it easy, galera. O mundo é muito maior do que o seu ódio e o seu chorume. E, por gentileza, pega o seu candidato e o governador paulista e vai chorar na Cantareira que, pelo menos, vai ser mais útil.

Marinando na praia

Quais as chances do pessoal da REDE buscar o guarda-chuva do PSOL? 
a) todas
b) quase todas
c) Não era para a Marina estar no avião?
d) Rede, pSol, areia e mar, quero!

Para Duvivier

Caro, Duvivier
Pela primeira vez na vida, discordo de você. Não do conteúdo, mas da forma. Ou melhor, da forma de concluir. Gosto dos seus textos e te reivindico como aliado importante na luta contra o pensamento conservador e as bizarrices ensandecidas incrustadas em nossa sociedade. Tudo ia bem, com seu humor e ironia peculiares, até você concluir:
"me espanta quando classificam de esquerdistas pautas tão universais quanto a equidade de gêneros e raças, o direito da mulher ao aborto, o direito universal à moradia, à saúde ou à educação. Ser contra a garantia desses direitos universais não é posição política, é falta de serhumanidade”. 
Ser a favor dessas pautas universais é, sim, uma posição política. Eu entendo que você sofra pressão dos reacionários que desqualificam qualquer pauta universal como esquerdismo-caviar, invasão bolivariana, chavismo brasileiro e outros estereótipos risíveis; e talvez até queira dialogar com quem acha que se declarar “não político” está acima do bem e do mal. Eu super te entendo. Mas essa onda marineira (sim, já virou adjetivo) – de não ser nem de lá, nem de cá, nem de lugar algum e reivindicar a ‘serhumanidade’ – demonstrou que não tem força quando as “pautas universais” têm que ser discutidas no palco da práxis, portanto, no cenário político. 
Eu não conheço exatamente bem sua formação política, me parece que você nunca foi um militante (de qualquer organização: movimento social, estudantil, partido, ong, whatever), então talvez seja mais difícil você entender porque é tão caro à esquerda lutar por essas pautas universais com orgulho de fincar o pé em um posicionamento, sim, político. E aí, estou falando em esquerda no sentido bem amplo, desse mesmo que você falou, de lutar por direitos-universais-e-tão-óbvios-meu-deus-do-céu. Quando você defende um negro sendo espancado por policiais na rua, ou um homossexual sendo achincalhado na Paulista, ou dá condições para uma mulher se livrar da violência doméstica, você está tomando uma decisão política. Mas, Ana Clara, política é outra coisa, é aquela coisa nojenta lá do Congresso. Não, cara, não é. Ou é também. Quando você faz aquilo, você defende, mesmo sem querer, a história de pessoas que lutaram arduamente para que esse país não virasse a reedição do feudalismo no século 21 (ou do holocausto, para ser mais atualizada); que lutaram pela democracia, pelo direito de se organizar, de se expressar, de avançar na conquista de direitos. E, se quisermos ser conseqüentes, queiramos ou não, a aplicação desses direitos universais não vai a lugar algum pela “serhumanidade” se não pela disputa política (que vai muito além da forma institucional como eleição, congresso, senado, etc), no cenário concreto e real das coisas; e não na comparação entre cliques e likes entre uma revista e um jornal. 
Veja bem, estou te dizendo isso com o maior carinho do mundo. Porque quero que você permaneça nesse combate, conte comigo e saiba que, sim, quem é contra esses “direitos universais” está tomando uma decisão política (não necessariamente de direita ou de esquerda, mas uma posição) – mais fácil seria, aliás, classificá-los como ‘maquiavélicos’, encaixá-los como vilões dessa novela chamada Brasil e dizer que não passam de bobos, chatos e feios. A briga não é fácil. Mas não tenha receio. Você tem aliados. E muitos. E aliados políticos: no melhor, maior e mais revolucionário sentido do termo.

Artigo: Ser Humanidade, por Duvivier

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Digressão Literária. As brumas do segundo turno.

Digressão literária. Voltei para ler os dois volumes que faltavam de "As Brumas de Avalon". Eu já tinha me apaixonado e não me recordo exatamente por que raios não terminei de devorar a saga em três dias. Devem ter motivos mais óbvios como ser atropelada por outras leituras mais, er, "urgentes" e "utilitárias"; e também devem existir razões mais ocultas como o prolongamento do prazer e da expectativa -- tipo aquele pacote de bolacha gostosa que você guardava escondido na gaveta e comia uma por dia para durar mais.
Agora, PAUSA. E sinto que vocês me olham, perplexos: o segundo turno presidencial estrumbando na sua cara e você aí preocupada com Morgana, Artur, Gwenyhfar, Lancelote, fada, espada, bainha, galhudo e a galerinha gente boa que toma todas no boteco da Távola. Não está fácil. E talvez essa seja a terceira razão ainda-mais-oculta para ter voltado às brumas da Senhora do Lago. Porque se o livro de cabeceira pode dizer muito a respeito do estado de espírito de alguém, o que dizer de pessoas, como eu, que carregam livros de gêneros distintos na mochila, por meses? E mais: que vão e voltam em leituras aleatórias? É certo que, do ponto de vista da formação literária, as aventuras de Morgana caíram em minhas mãos um pouco tarde, mas sempre há tempo para preencher lacunas. De toda forma, a minha reconexão com o fantástico, ainda que em um momento de tensão política e inquietações internas, tem sido muito mais prazerosa do que gerado um sentimento de culpa. Diante das exigências impostas e que me imponho, eu tinha me esquecido de como é bom se afundar em personagens, reinos e encantamentos; de como é possível, já que as pessoas dificilmente o fazem, que uma obra gire na mesma verve imaginativa e viajante que consigo entrar, quando reencontro meu botão rumo a Alfa. Recomendo.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

terça-feira, 30 de setembro de 2014

Miolo

-- ... e um pão na chapa sem miolo, por favor.
-- Ôôôô, Zé! Manda um na chapa sem juízo pra moça aqui.
Bom dia.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Alimento

Meu pai sempre demorou muito para terminar uma refeição. Minha mãe falava, ria e comia, eu comia e meu pai se debruçava sobre o prato e ficava horas lá... pensando. Não, não era rezando. Aliás, meu pai não rezava, meditava, e era em outro momento. Mas isso é outra história. De volta à mesa, ele ficava em deferência à comida por longos minutos, a ponto do alimento esfriar mesmo. Era comum. Na minha cabeça, todos os pais faziam isso. Sempre houve um respeito entre nós neste ritual.
Quando entendi que não era algo próprio dos pais, mas do meu pai, questionei. E essa conversa ficou em mim durante muitos anos. Acho que até hoje. Perguntei se ele rezava, ele disse que era algo parecido com isso, mas tentava me fazer entender que não era o Pai-Nosso antes de dormir. Perguntei porque demorava tanto. Ele começou a traçar uma linha de todas as pessoas envolvidas na produção de cada item da comida. O cara que lavrou a terra, o outro que plantou a semente, colheu; ficou atento à chuva, ao sol, ao vento; aquele que distribuiu, cuidou, transportou e chegou até nós. Uma espécie de agradecimento a todos os envolvidos do plano terrestre, não espiritual. Porque o alimento espiritual, como disse, ele buscava em outro momento, na meditação. Aquele era o momento do alimento da terra, aqui, do mundo real, e esse é feito por pessoas, por gente, por humanos e é a eles quem temos de agradecer -- ainda que indiretamente. Eu lembro que, à medida que ele enumerava, calculei rapidamente que, de fato, era muita gente e por isso demorava. Foi bastante revelador e me acompanhou profundamente na minha formação política. Afinal, inverter essa lógica do protagonismo do alimento que fica nos rótulos, na empresa, no patrão que só quer "goumertizar" e ter lucro para o cara que produz, colhe e tem relação direta com a terra é o primeiro passo para entender conjunturas maiores como, por exemplo, a reforma agrária. Porque, sim, é um debate que está à nossa mesa, literalmente, todos os dias. Este artigo faz isso (talvez o título não reflita exatamente o mais importante). A busca por focar nos produtores e agricultores locais para valorizar o que, realmente, vai ser a contra corrente dessa lógica de industrialização bruta da vida alimentar (que passa por transgênicos e afins) já é o botão II do alarme vermelho. O primeiro foi do MST que, há muito tempo, já tem uma política concreta e consciente voltada para este debate em um nível muito mais amplo.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Dialogas quae será tamen

Duas obras sobre feminismo e diálogo atravessaram meu caminho esta semana. O livro “Bordados” e o filme “A Pedra de Paciência”. 
No cinema, uma jovem afegã pobre assiste ao marido em coma por causa de um tiro. Com duas filhas e uma guerra civil no quintal de sua casa, ela leva as crianças para uma tia liberal e prostituta cuidar enquanto lida com seu parceiro estático, um herói guerrilheiro. 
Fosse uma narrativa comum, os conflitos externos obviamente colocados – guerra, sobrevivência, opressão, relações sociais – seriam o eixo do filme, mas não são. A grande sacada da obra é sobrepor o conflito interno ao externo. A trama se desenvolve em um monólogo da jovem com o marido em que, aos poucos, ela revela os detalhes mais sórdidos de sua existência. O gatilho do diálogo vem à tona e traumas de infância, a relação com a religião, o casamento, a opressão, o próprio corpo e as decisões (ou não) sobre a própria vida começam a ser articuladas. O marco da virada acontece quando a protagonista se pergunta “as mulheres não falam sobre isso”. A partir daí, suas reflexões com a pedra de paciência – nome dado ao marido influenciado por uma lenda contada pela tia liberal – partem para uma espécie de tomada de consciência e rompimento subjetivo com o status quo. Esse movimento também é acompanhado por contextualizações do “sistema de valores morais” da sociedade afegã – quando guardas entram na casa e ela precisa “se desonrar” – dizendo que vende o corpo – para não ser estuprada. O fato é que a possibilidade de falar sobre si mesma e as próprias questões torna-se um elemento tão libertador quanto fatores externos.
No livro “Bordados”, a proposta de Marjane Satrapi é semelhante, sob outro viés: ela apresenta os bate-papos “entre mulheres” da sua família que aconteciam após o almoço. A autora apresenta como essas conversas eram liberais e a importância de contar as próprias histórias em um mundo onde a voz masculina é predominante.

Esse protagonismo do inconsciente feminino revelado – seja entre mulheres, dentro do casamento ou socialmente – nas obras culturais contemporâneas significa o início de um aprofundamento na subjetividade da opressão. E não estou falando em colocar mulheres como protagonistas, isso não é nada novo – mas, sim, o diálogo, a conversa, o conteúdo da voz, o exercício da relação com o outro que se transforma no catalisador do rompimento com o confinamento social, a separação de gênero – aquilo que só pode ser dito “entre mulheres”, pois “eles”, “os homens”, nunca vão entender.
Esse fenômeno acontece, porque o acúmulo sobre os fatores opressores externos já está em pauta na sociedade – apesar de ainda precisarmos avançar em questões básicas. Mas esse aprofundamento dos elementos sutis – daquilo que não é “visível” e nem pode ser mensurado em estatísticas econômicas, sociais e criminais – representa um passo importante na luta feminista. Afinal o quadro é tão, mas tão gritante que uma atitude tão profundamente humana como falar, conversar e se relacionar com o outro revela o quão desumanamente construímos nossas relações de gênero.

Como mudar de classe social. Por um freezer.

-- Moça, a senhora poderia responder uma pesquisa?
-- Claro.
-- Na sua casa, tem quantas geladeiras?
-- Tem freezer?
-- Quantos carros?
-- TVs?
-- Aparelhos de DVD?
-- Máquina de lavar?
-- Empregada?
-- Qual escolaridade do chefe de família?
-- Huumm... nossa, você saiu da classe por um pontinho. Espera, deixa eu ver aqui...
-- [...]
-- Óh, se você disser que que sua geladeira não tem freezer, eu posso continuar com você. Se te perguntarem, você responde que não tem, por favor?

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Até quando. [2]

Até quando. [2]

Passando email.
-- A de ana, c de clara, fer-ra-ri arroba gmail pon...
-- ferrari com dois erres?
-- isso, fer-rá-ri... do carro mesmo
-- ah, tá... a-c-ferrari-do-carmo arroba... o quê mesmo?

/o\

Até quando.

-- ... Ferrari
-- De quê?
-- Fer-rá-ri, do carro mesmo.

#atéquando?


27/05/2014

Novos tempos. Turismo internacional.

-- Aqui é a Avenida Paulista onde aconteceu aquela passeata enorme em junho que saiu nos jornais do mundo inteiro...
-- Ali é o Masp, museu de arte. As manifestações que ocupam a Paulista geralmente se concentram neste vão...
[...]
-- Tá vendo essa região aqui? É o Largo do Arouche. Os lutadores da causa LGBT se identificam muito com esse lugar...
[...]
-- Aqui é o Largo São Francisco, onde fica o Direito da USP. Se é estudantil, o fervo geralmente começa aqui também...
-- Tem aqui, óh, a Praça da Sé... local histórico de manifestação dos trabalhadores organizados...
-- E sabe esse viaduto lindo? Chama "Viaduto do Chá", aquele prédio ali da ponta é a Prefeitura. Manifestação de pautas variadas garantida todos os dias.


27/05/2014

Vai ter Copa.

Vai ter Copa, vai ter manifestação, vai ter gente na rua gritando Brasil por mais direitos e chuta essa bola direto pro gol. Tudo ao mesmo tempo, junto e misturado. Vai ter gente que até ontem não sabia o que era impedimento desfiando a escalação do Uruguai de cor e gente que até ontem não sabia o que era democracia de fato estufando o peito nas ruas com bandeiras. Vai ter gente dizendo que Joaquim Barbosa é o novo batman tupiniquim e gente dizendo não falei que o Felipão ia amarelar. Vai ter black-bloc querendo misturar joio com trigo e vai ter o torcedor defendendo a retranca conservadora do técnico. Vai ter um país que quer ir para frente, que não se contenta com a Copa, que quer fazer democracia, quer investimento em saúde, educação, transporte, segurança, quer discutir o destino do PIB, quer jogar futebol, quer avançar em direitos. E isso tudo bem misturado -- de pessoas que torcem pela seleção, mas também lutam por um país melhor -- é o cenário mais exemplar que o Brasil poderia dar ao mundo, quando todos os olhos estão voltados para cá. É de encher de orgulho saber que vamos sediar um evento como a Copa em um momento de profunda agitação política. Não estou nem aí para as malas de estrangeiros que podem ser extraviadas como acontece em qualquer lugar do mundo ou com o taxista do aeroporto não ter proeficiência em três línguas. Que venham os jogos, as manifestações, as festas, as concentrações, as bandeiras de países e de reivindicações, o país vai ferver.
04/06/2014

Tempos difíceis.

-- Ana, você tem milhas?
-- Se eu tiver crédito no bilhete único já é muito e fico agradecida.

Dos hábitos. Letra de música.

Até o mundo mineral sabe que não tenho aqueeeeela relação direta com a música, ou melhor, com os artistas. Tenho um gosto geral bastante eclético em que concedo dois terços do “ecletismo” aos afetos musicais da infância e adolescência – período hostil em que a disponibilidade da internet não existia e rádios populares moldavam boa parte do que era possível ouvir.
Não que fosse impossível escapar disso, meus amigos “galera de preto” sempre se defendem diante desses argumentos, mas lá no fundo conseguem desfiar um pagode noventinha de cor. Eu sei que conseguem. Estudei piano erudito e sempre treinava na casa das amigas que tinham um gigante na sala. E, a partir de então, iniciei um processo de separar músicas de socialização com aquelas de gosto pessoal.
No começo, rolava certo constrangimento. Dizer que você super curtia ouvir o “Eternamente, Yolanda” que sua mãe punha no talo para a faxina de sábado não fazia de você “a cool” na rodinha dos 15 anos. Pelo contrário, era até meio brega. Imagina dizer que você sabia cantar “Águas de Março” completinha, sem errar um verso, desde os 5 anos? Um tanto constrangedor em um círculo em que as meninas morriam pelo Backstreet Boys. Você até ouvia, colocava para pensar no bonitinho da escola, se chafurdava em clipes da MTV, mas se bobear nem sabia dizer direito quem era quem. Bom, eu, pelo menos, nunca soube. Rolava um desapego pelos artistas das músicas de socialização – mas as músicas em si, todas elas fizeram parte da minha, ahn, educação afetivo-musical-sentimental.

Com o tempo, o constrangimento mudou de lado. Na escola do pedantismo e do aprendizado da arrogância intelectual, mais conhecida como universidade, as pessoas brotam do além com um gosto tão refinado que nem parecem ter vivido no Brasil. Ou, se viveram, foi em uma super bolha protetora power mega auditivator filter advanced. Aquelas coisas antes “bregas” passam a serem vistas como incríveis e você descobre que aquele par de olho azul gigante, na capa daquele disco que sua mãe arranhou de tanto ouvir, era um ser idolatrado pelas pessoas que você estava se relacionando. E dentro deste mundo, você é empurrado a ser incapaz de pronunciar um gosto musical sem antes saber preencher a ficha cadastral do crediário do artista.
Desse modo, fui incentivada, contraditoriamente ou não, a avançar em alguma relação maior com as músicas que, realmente, eram do meu gosto pessoal. Somado à militância política, o cenário ficou ainda mais completo e complexo.

Quando a balança começa a se equilibrar – e, frise-se, é preciso uma certa maturidade para isso –, você começa a ter mais desapego e é capaz de revelar para si mesmo um dos eixos de um gosto pessoal tão, relativamente, variado. Porque ter um gosto amplo nas músicas de socialização é perfeitamente previsível, mas no gosto pessoal gera um pouco mais de necessidade de reflexão.
No meu caso, são as letras.
Por outras razões que não cabem aqui, minha relação com as letras é tanto quanto ou até maior do que a música em si. Isso explica a última terça parte do meu “ecletismo” musical. Claro que se trata de uma relação dialética, não adianta uma letra perfeita em um tom absolutamente desafinado. Mas, ainda assim, e essa é uma constatação de um hábito frequente: as letras, ultimamente, têm vindo antes da descoberta da música. Na ânsia que todos os seres têm de procurar uma música que transmita ou interprete a fúria ou a calmaria interna, antes do acorde, vou direto para a letra. É um caminho mais árduo, mais difícil, porque nenhuma vai completar... e, se completa, ao ouvi-la não era a sensação desejada.
Está claro que essa fase é parte do processo de aprofundamento da autonomia. Que ainda cause um certo caos e uma angústia um tanto aparentemente irremediáveis, mas fica meu registro da experiência.

Imagina no jornalismo.

(Brasil perde para a Alemanha e Argentina vai para a final)

Minha amiga italiana vendo "Em Pauta", na Globo News
-- Ana Clara, essa mulher só fala bobagem. Ela é jornalista mesmo?
-- Sim.
-- Jornalista mesmo?! Meu Deus do céu! Vocês falam sempre desse jeito?
-- Então, é que...
-- Olha isso! (ela interrompe quando a jornalista faz um gracejo jocoso sobre a expectativa da entrega da taça para o Thiago Silva se transformar na entrega para a Argentina)
-- Esse jornal é o nacional?
-- Não. Esse é o canal específico de notícias, o Jornal Nacional costuma ser pior e...
-- Pior?!?
(a jornalista faz mais um gracejo incentivando a rivalidade mesquinha com os hermanos)
-- Como pode ser pior?!
-- Hum, então... o JN consegue ser neste sentido da sua revolta, sim...
-- Mas não pode ser assim! Ela é uma jornalista...
-- ... então...

domingo, 10 de agosto de 2014

Dia dos Pais.

Garota faceira de três anos com o pai, no buzú.
-- Aííí, pai, sabe o que o amigo da mamãe falou?
-- O quê?
-- Que ele quer namorar a minha mãe...
(pai consente calado, ela continua toda empolgada)
--... e que é pra 'mim' ajudar, sabe...
-- sabe, pai, ele falou "me ajuda, me ajuda"...


#felizdiadospais

No Cometa.

Moça de Jaguariúna ao meu lado.

-- ... e então você mora e trabalha em São Paulo?
-- Sim...
-- Nossa, legal. Eu já fui chamada para trabalhar na capital, mas deve ser muito difícil...
-- Ah, é bem diferente do interior mesmo, é mais corrido, puxado, leva um tempo pra acost...
-- Nem é por isso. Me adapto fácil. É que eu não conheço direito a cidade...
-- Ah, sim. Pensar no deslocamento é importante, mas é pensar no tipo de transp...
-- Não, não é disso que eu tenho medo, não...
-- Ah, é o quê? Segurança?
-- Também não...
-- Custo de vida?
-- Não...
-- O que é?
-- É que eu como eu não conheço bem a cidade...
-- Hum...
-- Eu não sei onde vai alagar...
(Ooooiii?!?!?)
-- Alagar?!
-- É, assim... é que eu tenho cachorro, sabe...
-- Ahm...
(onde esse raciocínio vai parar, céus)
-- aí não dá para morar em apartamento...
-- Sei...
(tudo bem alagar se ela estiver presa no décimo andar, é isso)
-- Então vou ter que morar em casa...
-- Certo...
(falo sobre preço de aluguel ou desisto?)
-- Aí, não vou saber direito onde pode alagar... eu vi na TV, fiquei com receio...
-- Huuuuummm...
(onde vai alagar!!! chupa seca na cantareira!!!)
-- Falei com meu marido, imagina que a gente muda e nossas coisas boiando...
(consinto)
-- ... e ele disse que era só ficar longe do Tietê...
(imagino o papo do casal)
-- É... hum.... er... ããã... por aí...
-- E então desistimos dessa ideia... pelos cachorros...
(e pela lógica)
-- Entendi...
(nada)

sexta-feira, 11 de julho de 2014

sozinho vezes zero

Essa sensação de estar sempre sozinhos mesmo... porque, no limite, estamos... mas somos humanos, somos carne, somos essa coisa que nos preenche e nos esvazia a todo instante. estamos em movimento: existe vida, sofrimento, ponto de alegria, horas ininterruptas de angústia, explosões, ôxe... é essa coisa sofrida, tropeçada, empurrada, tipo carrinho de mão enferrujado no modo off road que faz qualquer estrada virar uma Dom Pedro de Cometa vendo paisagem passar pela janela...  

Para LL
c/ carinho

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Da criatividade.

-- Ana Clara
-- Ahn
-- Você que é jornalista...
-- Vish... ahm...
-- É criativa...
-- Eitcha, lá vem... hum...
-- Arruma um nome/título/frase/slogan bacana pra isso...
-- Oi?
-- Agora.
-- Quê?
-- É!
-- Ma...
-- Você estudou pra quê?

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Sobre “Um porto seguro para Elizabeth Bishop” e outras coisas.

Não se engane pelo livro pequeno, tem muita coisa lá dentro que você vai pensar “como ela disse isso assim, tão de sopetão?”. A autora reúne boa parte das angústias das mulheres escritoras. Com o adendo de ser homossexual. Separei uma: fraude. 
Ela tem um medo incrível de se revelar uma fraude (até para si), mesmo depois de ganhar um Pulitzer (o que, para mim, é irrelevante). Mas ela resume bem: neste país (no caso, o Brasil) era impossível que descobrissem isso, se caso fosse. Pelo menos não com a influência que ela tinha... ou que a companheira dela, Lota Macedo Soares, tinha. Mulher influente no governo Carlos Lacerda. As duas foram o que hoje poderia se chamar de casadas. Moraram anos no meio do mato de Samambaia, perto de Petrópolis, num sítio, casa, coisa parecida. Daí que, de lá, no meio do nada, no fervor dos anos 60, com o mundo em reviravolta, ela escreve poemas olhando para os passarinhos e ganha o Pulitzer. Fica sabendo do prêmio por telefone. Aí, ela vai para o Rio e, quando faz referência ao golpe de 64, chama de revolução. Desconfortável, no mínimo. Mas, ao longo do texto, tem vários poemas dela. São bons, não conhecia essa poeta americana.
E então que Bishop me lembrou outra artista, cujo nome não vou me recordar, mas estava em exposição naquele museu bonitão de Niterói, desenhado pelo Niemeyer, que visitei no carnaval. Lembro que li um pouco da história dessa tal artista plástica sem nome. Sou do tipo que lê as legendas, os avisos e tenho uma fissura por linhas do tempo. E ela também me trouxe desconforto. O pico da sua obra, segundo a curadoria, se deu nos anos mais duros do regime militar no Brasil. Sem fazer referência alguma a isso. Eram abstrações mais ou menos genéricas, traços coloridos e traziam a incômoda sensação (pelo menos pra mim) de que nada acontecia feijoada no país. Bom, eu digo incômoda agora para quem sabe o que acontecia. Estava claro que não havia ironia na obra. Pelo contrário, ela parecia ter sido muito bem ajudada pela “elite financeira-intelectual” da época. Estudou fora, teve tempo de montar ateliê no Rio, em São Paulo sem nem menção a exílio, resistência, censura ou coisa parecida. Daí que brochei. A obra me parecia vazia, tipo um Romero Britto vintage.
O que Bishop e essa tal artista me encafifaram foi com o fato de terem sido reconhecidas enquanto artistas “em seu tempo” estando completamente alheias a ele. Portanto, de alguma forma, é possível fazer arte assim. Ou a única arte possível é aquela intrinsecamente ligada à transformação e/ou crítica da realidade? Bishop não era totalmente alheia, fez vários poemas sobre o cotidiano carioca, observações agudas sobre o país, mas não necessariamente comprometida ou, talvez até, descomprometida... e daí surja algum traço de relevância em sua obra – diferentemente da tal (para mim odiosa agora) artista do museu de Niterói. Particularmente, confiro mais crédito às obras que tenham comprometimento, que não se descolem da realidade, que cumpram o verdadeiro sentido da arte de aproximar o homem de si mesmo. É claro que, da minha parte, existe um viés político bastante claro. Eu tenho lado. E já me peguei pensando se uma “arte fascista” (leia-se a arte desenvolvida nos anos de fascismo, permitida, não a oficial) pode ser considerada arte. Questões antigas, do tempo de faculdade e mais um pouco, que ainda me inquietam. E só piora. Walter Benjamin me entende.
De volta a Bishop, apesar do desconforto, ela é leitura obrigatória. Se me fez chegar até aqui com tantas indagações, tem seu mérito de livro de leitura instantânea. Para não ser injusta, existem trechos feministas sobre ser lésbica nos anos 60, 70, 80, século 21 com uma passagem genial.

sexta-feira, 28 de março de 2014

Não tem ninguém assinando

Livraria movimentada. Lançamento de livro. Para a atendente. 
-- Boa noite, por favor, gostaria de levar um livro do Itamar Assumpção
-- É esse do lançamento que está rolando agora?
-- Hum? Por acaso... sim?!
-- Ah, ok, um minuto.
[cara de interrogação]
-- Pronto, só vou fazer a notinha e você passa no caixa.
-- Ok, obrigada.
[atendente chama num canto falando baixinho]
-- Huumm... moça, vem cá...
-- Oi, pois não?
[quase sussurrando]
-- esse lançamento aí...
-- ahn...
-- que você tá levando o livro...
-- sei...
-- vou te contar que não tem ninguém assinando, não...
-- estranho, né?
-- nossa, demais... nunca vi isso...
-- vou te contar... é porque o cara já morreu
-- sério?
-- sim
-- geeeente... 
[ela faz cara de interrogação]
-- ...ah, desculpa, é que eu sou nova aqui
-- tudo bem, acontece

Para Renata, com carinho.

domingo, 9 de março de 2014

Da série: Quando o cara insiste (ou “Estereótipo: ame-o ou deixe-o”)

-- Então você é lorenense...
-- Loreniana não soa muito bem. Fato.
-- Você falou que é perto de onde mesmo? Aparecida de quê?
-- Do Norte.
-- Ah! Da Basílica?
-- Isso. 
-- Que tem a cúpula?
(até onde eu sei, não pensaram em tirar, porque não dá dinheiro e tals)
-- Essa mesmo...
-- Bacana! Você ia muito lá?
(me diz um lugar onde até o papa foi e a rafameia provinciana dos arredores não iria)
-- Sim, claro
-- Que massa. Agora até tem um shopping dentro...
-- An-hãm... faz mais de dez anos...
-- E Pedreira? Você disse que sua mãe e tals... onde fica?
-- Perto de Jaguariúna, no circuito das ág...
-- Ah! Onde tem o rodeio?
-- É. (pausa para a respiração profunda). O rodeio.
-- Cara, é muito famoso!
-- Ôôô
-- Você já foi?
(me diz um universitário campineiro que sobreviveu ao rodeio de Jaguariúna)
-- Sim, claro.
-- Tem até aquela música...
(não, please, god, no, ele não vai cant...)
-- Jaguariúna quer rodeio... dá, dá, dá...
(resquícios de dignidade rolaram mundo afora)
-- Ah, e esse sotaquinho de mineira, hein, aposto que comeu muito pão de queijo em BH
(esse que tá na minha mão vai voar na sua cara daqui a pouco)
-- Sim, a cozinha mineira é bastante comple...
-- Aposto que você foi muito bem recebida. O povo mineiro é muito hospitalei...
-- Sim, inclusive os profissionais com quem trabal...
-- E lá só tem mulher bonita, né. Não te incomodou?
(cê jura que quer saber quem me incomoda?)
-- Não, não. Pelo contrário, tenho muitas amizades por lá.
-- Cara, e ainda tem Paulínia! A refinaria, o cinema...
(junta tudo e fica uma tela lambuzada de diesel nessa sua fuça, infeliz)
-- Pois é, mas tem problemas graves de uso de dinheiro púb...
-- Não, mas agora você é chique, ta na capital!
(ai...)
-- Me conta: você já ficou presa no metrô quantas vezes? Já saiu andando pelos trilhos? O Haddad vai fazer faixa de ônibus até minha casa?
(só se for pra passar o busão da minha havaiana de pau queimandos nessas varetas que cê chama de perna)
-- É, a política de transporte público está em pauta na cidade e...
-- Espera. Agora, vem cá...
-- Ahn...
-- Vamos falar sério
(finalmente, há esperança)
-- Você que passou por tantos lugares...
-- Hum...
-- Me fala a ver-da-de
(muito filosófica essa questão, mas prossigamos)
-- Claro, diga.
-- Quem bebe água de Campinas vira gay mesmo?

Da série: Perguntas casuais difíceis de responder

-- De onde você é?
-- Onde eu nasci?
-- Sim.
-- Em Lorena.
-- Onde fica?
-- Interior de São Pa... 
-- Ué, não é Minas?
-- Não. É perto de Apareci...
-- Mas e esse sotaque?
-- É que morei muitos anos em Belo Horizonte.
-- Aaah, tá, mas então seus pais são de Lorena...
-- Não, agora eles moram em Paulínia...
-- Perto de Lorena?
-- Não, é perto de Campinas, onde eu me formei...
-- Ah, eles te acompanharam quando você foi fazer faculdade?
-- Não. Eles são separados. Moravam juntos, em Paulínia, quando eu era criança...
-- Mas você não nasceu em Lorena?
-- Sim, mas passei a infância em Paulínia e Campinas...
-- Ah, por isso você fez faculdade em Campinas, já estava lá mesmo e...
-- Não, voltei pra Lorena com uns nove anos e fiquei lá até o Ensino Médio...
-- E por que foi estudar em Campinas?
-- Porque minha mãe morava em Pedreira.
-- Pedreira? Não era Paulínia?
-- Sim. Mas Pedreira é perto de Campinas também.
-- Ah, ta. O que ela foi fazer lá?
-- Trabalhar.
-- E por que você não foi junto?
-- Porque eu estudava em Lorena... ela foi pra Osasco, depois pra Pedreira.
-- E Minas? Foi depois de formada?
-- Sim, fui trabalhar.
-- Mas sua família é de onde?
-- Da mãe?
-- Sim.
-- De Lorena.
-- E do seu pai? De Paulínia?
-- Não. De Bragança Paulista.
-- E os dois moram na mesma cidade?
-- Sim.
-- Ah, estão juntos.
-- Não.
-- Eita, mas onde você mora agora?
-- São Paulo.
-- Primeira vez que mora na capital?
-- Não.
-- Ok, desisto. Vou fazer mais fácil: Chuvinha chata essa hoje, não?
-- É... ... huuumm... me dá um minutinho, preciso ver se entrou em estado de atenção.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Engole esse choro (carta a um amigo)

Ei, amigo, estava pensando esses dias sobre aquele lance de engolir choro. A identificação foi tanta que tenho certeza sermos de uma geração de engole-choros. Quase todos os meus amigos, por quem tenho algum respeito intelectual, político ou afetivo, passaram por isso. Se fosse hoje, terapeutas e psicólogos ficariam discorrendo sobre o quão “coitados” e “oprimidos” somos; como nossos pais foram uns irresponsáveis por não “entenderem” o quão especial são seus filhos mimados e essa papagaiada toda que – juro ter dó muitas vezes – incutem nesta geração posterior à nossa que se acha tão além do bem e do mal. Se existe algum prejuízo em engolir essa banana de dinamite interna que explode a todo momento em nosso ser (o que não significa, claro, que não nos afeta, mas nos faz minimamente conter as lágrimas), isto nos faz enxergar o outro ou a conjuntura em que estamos inseridos. Explico-me. Somos frutos de uma geração que juntou a década perdida (80) com a década desperdiçada (90) e uma crise econômica cretina que afetou tudo até nossa cadeia e gosto alimentares dirá nossa subjetividade. Somos filhos de mães e pais que não sabiam quanto ia custar o pão no dia seguinte, que dependia do programa de governo daquele corrupto safado que dava leite, mas não aumentava salário, nem garantia educação, transporte, a mínima condição de sobrevivência. Nos fazer engolir o choro talvez fosse a melhor forma de nos preparar para a vida, para a selva, para aquela inflação que poderia fazer tudo ficar pior do dia pra noite, para aquele momento de ver o próprio filho dormindo e ter que sustenta-lo sem ajuda do pai, da família, de ninguém... se não apenas, dos próprios vizinhos que passavam tanta necessidade quanto a gente. É essa certeza que faz nossos draminhas cotidianos –  nosso pé na bunda amoroso, aquele(a) cretino(a) que não entende nosso jeito de amar, o chefe opressor, o salário baixo e a jornada desgastante – ficarem pequenos, porque aprendemos a olhar para o lado. Saímos de nosso casulo laboral e quando pensamos em chorar, vemos pais de família, mães com seus filhos, trabalhadores braçais e pessoas que, está na cara, têm dramas e vidas muito mais fodidas do que a nossa ou, pior, uma vida parecida com a que tínhamos. E se o choro insiste em chegar acima da garganta, nos sentimos culpados. Não é aquela mea-culpa de classe média recém-ascendida que dá esmola aos pobres; é uma culpa interna, dolorida, da certeza que um dia a vida já foi pior, você superou e, agora, pra quê? Pra quê? Pra quê chorar?  Não tem nada a ver com parecer “fraco” ou “forte”, isso nunca esteve em pauta; chorar, para os engolidores de choro, tem a ver com a capacidade de enxergar ou não a conjuntura que estamos inseridos. Mas é claro que não somos um monstro de ferro, uma versão ambulante de um rochedo do norte. E é por isso que, na maior parte das vezes, choramos sem motivos, sem ninguém ver, trancados em algum lugar. Porque se não há razão específica, não há termos de comparação, é como se fosse um choro de conjuntura, por tudo, mas que ninguém pode ver. Acontece raras vezes, afinal só acontece quando pessoas fortes (ou nem tanto) chegam no limite. Talvez por tudo ou por nada, porque aí tudo bem, sem drama.

SP, presente.

Ele não tem a gentileza sempre lista dos mineiros, nem a extroversão e camaradagem aparente do carioca, dificilmente vai tirar uma palavra carinhosa do bolso só para te agradar, tampouco vai se preocupar com as idiossincrasias da sua estúpida vida cotidiana, porque a rotina dele também acorda heavy metal e dorme punk rock. Não adianta reclamar do calor infernal dos últimos milhares de anos, porque ele já leu essa matéria quando acordou, pegou 23 ônibus, 127 trens, 225 metrôs, gastou os últimos 20 reais da carteira para pagar o táxi que correu no caminho para não chegar atrasado no trabalho e, claro, caramba, ele SABE que está calor. Não existe espaço para obviedade no universo paulistano. Pelo menos não para as mais recorrentes. Te digo também que não adianta reclamar do seu drama queen, porque ele conhece infinitos casos piores de gente que se deu mal, sacodiu a poeira e não ficou de chorume; isso quando não for a sua própria história de vida. Paulistano é tipo caranguejo que anda pra frente. Ele vai. Não se sabe exatamente onde, nem como e o quando é sempre agora. Sem volta. Te soa bruto? Não é. A cidade tem uma energia um pouco incrível. Basta por o pé na rua e você é tomado por ela. Pela pressa, pela vida, pela vontade de fazer. Espremida em um trem, calor desumano, sem chuva há quase uma semana, jornada violenta de trabalho, ninguém para de fazer planos. Pense na vida enquanto sobe a escada rolante, mas mantenha-se à direita. Existe organização no caos. Até para os seus 15 segundos de delírio ou de desabafo íntimo, você vai ter que lidar com o outro. Paulistano é sempre o outro. Em uma metrópole que recebe pessoas de vários lugares, aquele com quem você interage sempre vai ter algo a te ensinar sobre a cidade. Mesmo que não se defina paulistano. E então quando você menos espera, está ensinando até seu amigo viaduto-do-cháense qual a saída correta do Anhangabaú. E o sentido exato do trem. Não faz diferença se você nasceu ou não aqui, isso é absolutamente irrelevante neste lugar. O lance é a relação que você cria com São Paulo. Se você é capaz de amar isso aqui, é paulistano. Porque não é fácil amar alguém com tantos defeitos. Mas o dia que você entender o valor de uma presença que pode custar 23 ônibus, 127 trens, 225 metrôs mais a corrida pelo táxi por causa do atraso ou alguns quarteirões a pé segurando a mochila na frente... para encontrar um amigo, ver um parente, tomar uma cerveja ou, simplesmente, voltar para casa, você começa a entender o que realmente é intenso e fascinante na capital paulista.

quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Sobre políticas públicas.

São três jovens brasileiras, de 16 anos, do ensino público, do interior do Espírito Santo, que estão no Coined para estudar espanhol por três meses, em Córdoba, oriundas de um programa do governo federal. É um tipo de situação que te deixa absolutamente muda. 

Quem é do "mundo real", e não vive sonhando dentro dos muros da academia, tem, no mínimo, um súbito de vontade de dar um abraço carinhoso na presidente. Claro que é rápido e passa. Mas quem, como eu, dividiu a escassa merenda em talheres e pratos de plástico com pessoas que levavam comida escondida nos bolsos para a família em casa sabe exatamente do que estou falando. 

Quem está diante de uma jovem que nunca saiu de sua província no interior do estado, malemá conhece Vitória e está estudando espanhol com boa estrutura custeada pelo Estado, não pensa nos outros milhões de jovens que não tiveram essa oportunidade. Elas passaram por três peneiras e podem não saber quanto custam mensalmente para suas famílias, mas sabem exatamente quanto custaram para estar alí. Não. Não são as filhas do prefeito, nem do vereador, nem do empresário. Dito isso, é possível detectar precisamente neste momento onde reside o cerne do sucesso da "Frente Popular" grosseiramente conhecido também como populismo de esquerda. 

Diante desta situação, digo cara a cara com as meninas (sim, só mulheres), qualquer pessoa teria a sensação do abraço em quem lhas deu essa chance. Porém o que se faz a partir disso é o lance da virada. Definir se esse é o ponto de partida ou de chegada pode determinar em que lado da fronteira estaremos mais para frente. 

Primeiro, sim, pensar no caos geral da educação pública e o responsável, bem, é o mesmo do abraço. Segundo, pensar nos mais de um milhão de jovens como elas que não terão uma boa história. E mais, não se conformar com a alegria pontual. Se não exigir que a sensação do abraço seja maior, muito maior, pois atingirá milhares de jovens ao mesmo tempo e não apenas três, 10, 25 ou 200. 

Para mim, isso foi muito marcante. É como se viesse à tona, nos confins de Córdoba, uma boa parte de mim. 

Política pública é uma parada linda, de verve, de brio, de coração. Não podemos parar por aqui.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Sobre os diários do holocausto.

Estou no terceiro. Comecei tardiamente, é certo, com Anne Frank depois dos 20 anos. Em seguida Dawid Sierakoviak e, por fim, Helga. É incrível como a literatura pode ser muito cruel. Não por causa do óbvio: o conteúdo dos diários, que relatam fatos de natureza vil por si. Mas por causa da comparação.

Anne Frank dispensa apresentações e Sierakoviak é profundamente intenso. Ele escreve até os últimos dias de vida, até os últimos suspiros. Morreu de fome e outras “doenças comuns” do gueto, em Lódz, onde (não) viveu com mais 60 mil judeus. São dois livros que, depois de ler, você fica com a sensação de que a humanidade te deu um tapa na cara e lateja por semanas. Mas Helga não. E é aí que reside a crueldade. 
Existem explicações técnicas. Por exemplo, o livro é um misto de diário infantil com escritos posteriores editados e reeditados, muitas notas com separação temática em que a cronologia não coincide. Só o prefácio de como o livro foi organizado já dá certa desorganização mental. Ela começa a escrever com oito anos e “termina” com quinze. Não há muita diferenciação de estilo, portanto não parece nem uma menina de oito, nem uma adolescente de quinze, nem uma adulta revivendo suas memórias.
E então, você, cara pálida, que tem noção da importância de um relato como esse, começa a se sentir culpada por não estar tão, digamos, afetada com a história. Mas você continua. Culpada, mas prossegue. A história acaba. E fim. Na sua caixinha de afetos literários, Helga não ficou amiguinha de Anne nem de Dawid. E olha que ainda tem desenhos feitos por ela durante as prisões e, no final, uma entrevista com autora. Mesmo assim, sua imaginação não foi parar em como seria a adaptação para o cinema. Ficou ali, na superficialidade do relato.
Se eu parasse nas questões técnicas, resolveria o problema. Mas, de alguma forma, isso me intrigou. Explicações subjetivas podem também fazer sentido. Por que Anne e Dawid não poderiam ter sido talentos abortados e Helga não? Será que os diários de Anne e Dawid surpreendem mais porque eles têm o discurso hábil? Ou Helga, posteriormente, mexeu tanto no texto que perdeu o caráter inicial? A autora afirma ter acrescentado informações para ajudar o leitor. Será que se tivesse mantido o relato infantil teria salvado ou teria ficado mais enfandonho? Ou, pior, será que esse movimento cruel está na leitora? Será que, por ser uma realidade tão distante, a selvageria da vida nos transformou em qualquer coisa?
Não quero crer que sou incapaz de me abalar com essa história. Frank e Sierakoviak não deixam. Helga passou por tudo aquilo destinado aos judeus que viveram aquela época. Com algumas distinções. Ela foi parar em Terezín, depois em Birkenau e, só Deus sabe, conseguiu se livrar dos “transportes”. Passou fome, frio, cansaço, tifo, piolho, perdeu o pai, amigos, parentes, viu a “paz” chegar pelas mãos dos russos em Manthaussen e se desfalecer três anos depois com a invasão soviética na República Tcheca. Mas não. Talvez eu até siga culpada por causa de Helga, mas não vou forjar a impressão sobre um livro

A Bolsa Amarela

Minha contribuição para o Bússola de Livros sobre o clássico infantil