quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Sobre políticas públicas.

São três jovens brasileiras, de 16 anos, do ensino público, do interior do Espírito Santo, que estão no Coined para estudar espanhol por três meses, em Córdoba, oriundas de um programa do governo federal. É um tipo de situação que te deixa absolutamente muda. 

Quem é do "mundo real", e não vive sonhando dentro dos muros da academia, tem, no mínimo, um súbito de vontade de dar um abraço carinhoso na presidente. Claro que é rápido e passa. Mas quem, como eu, dividiu a escassa merenda em talheres e pratos de plástico com pessoas que levavam comida escondida nos bolsos para a família em casa sabe exatamente do que estou falando. 

Quem está diante de uma jovem que nunca saiu de sua província no interior do estado, malemá conhece Vitória e está estudando espanhol com boa estrutura custeada pelo Estado, não pensa nos outros milhões de jovens que não tiveram essa oportunidade. Elas passaram por três peneiras e podem não saber quanto custam mensalmente para suas famílias, mas sabem exatamente quanto custaram para estar alí. Não. Não são as filhas do prefeito, nem do vereador, nem do empresário. Dito isso, é possível detectar precisamente neste momento onde reside o cerne do sucesso da "Frente Popular" grosseiramente conhecido também como populismo de esquerda. 

Diante desta situação, digo cara a cara com as meninas (sim, só mulheres), qualquer pessoa teria a sensação do abraço em quem lhas deu essa chance. Porém o que se faz a partir disso é o lance da virada. Definir se esse é o ponto de partida ou de chegada pode determinar em que lado da fronteira estaremos mais para frente. 

Primeiro, sim, pensar no caos geral da educação pública e o responsável, bem, é o mesmo do abraço. Segundo, pensar nos mais de um milhão de jovens como elas que não terão uma boa história. E mais, não se conformar com a alegria pontual. Se não exigir que a sensação do abraço seja maior, muito maior, pois atingirá milhares de jovens ao mesmo tempo e não apenas três, 10, 25 ou 200. 

Para mim, isso foi muito marcante. É como se viesse à tona, nos confins de Córdoba, uma boa parte de mim. 

Política pública é uma parada linda, de verve, de brio, de coração. Não podemos parar por aqui.

domingo, 5 de janeiro de 2014

Sobre os diários do holocausto.

Estou no terceiro. Comecei tardiamente, é certo, com Anne Frank depois dos 20 anos. Em seguida Dawid Sierakoviak e, por fim, Helga. É incrível como a literatura pode ser muito cruel. Não por causa do óbvio: o conteúdo dos diários, que relatam fatos de natureza vil por si. Mas por causa da comparação.

Anne Frank dispensa apresentações e Sierakoviak é profundamente intenso. Ele escreve até os últimos dias de vida, até os últimos suspiros. Morreu de fome e outras “doenças comuns” do gueto, em Lódz, onde (não) viveu com mais 60 mil judeus. São dois livros que, depois de ler, você fica com a sensação de que a humanidade te deu um tapa na cara e lateja por semanas. Mas Helga não. E é aí que reside a crueldade. 
Existem explicações técnicas. Por exemplo, o livro é um misto de diário infantil com escritos posteriores editados e reeditados, muitas notas com separação temática em que a cronologia não coincide. Só o prefácio de como o livro foi organizado já dá certa desorganização mental. Ela começa a escrever com oito anos e “termina” com quinze. Não há muita diferenciação de estilo, portanto não parece nem uma menina de oito, nem uma adolescente de quinze, nem uma adulta revivendo suas memórias.
E então, você, cara pálida, que tem noção da importância de um relato como esse, começa a se sentir culpada por não estar tão, digamos, afetada com a história. Mas você continua. Culpada, mas prossegue. A história acaba. E fim. Na sua caixinha de afetos literários, Helga não ficou amiguinha de Anne nem de Dawid. E olha que ainda tem desenhos feitos por ela durante as prisões e, no final, uma entrevista com autora. Mesmo assim, sua imaginação não foi parar em como seria a adaptação para o cinema. Ficou ali, na superficialidade do relato.
Se eu parasse nas questões técnicas, resolveria o problema. Mas, de alguma forma, isso me intrigou. Explicações subjetivas podem também fazer sentido. Por que Anne e Dawid não poderiam ter sido talentos abortados e Helga não? Será que os diários de Anne e Dawid surpreendem mais porque eles têm o discurso hábil? Ou Helga, posteriormente, mexeu tanto no texto que perdeu o caráter inicial? A autora afirma ter acrescentado informações para ajudar o leitor. Será que se tivesse mantido o relato infantil teria salvado ou teria ficado mais enfandonho? Ou, pior, será que esse movimento cruel está na leitora? Será que, por ser uma realidade tão distante, a selvageria da vida nos transformou em qualquer coisa?
Não quero crer que sou incapaz de me abalar com essa história. Frank e Sierakoviak não deixam. Helga passou por tudo aquilo destinado aos judeus que viveram aquela época. Com algumas distinções. Ela foi parar em Terezín, depois em Birkenau e, só Deus sabe, conseguiu se livrar dos “transportes”. Passou fome, frio, cansaço, tifo, piolho, perdeu o pai, amigos, parentes, viu a “paz” chegar pelas mãos dos russos em Manthaussen e se desfalecer três anos depois com a invasão soviética na República Tcheca. Mas não. Talvez eu até siga culpada por causa de Helga, mas não vou forjar a impressão sobre um livro

A Bolsa Amarela

Minha contribuição para o Bússola de Livros sobre o clássico infantil