sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Dialogas quae será tamen

Duas obras sobre feminismo e diálogo atravessaram meu caminho esta semana. O livro “Bordados” e o filme “A Pedra de Paciência”. 
No cinema, uma jovem afegã pobre assiste ao marido em coma por causa de um tiro. Com duas filhas e uma guerra civil no quintal de sua casa, ela leva as crianças para uma tia liberal e prostituta cuidar enquanto lida com seu parceiro estático, um herói guerrilheiro. 
Fosse uma narrativa comum, os conflitos externos obviamente colocados – guerra, sobrevivência, opressão, relações sociais – seriam o eixo do filme, mas não são. A grande sacada da obra é sobrepor o conflito interno ao externo. A trama se desenvolve em um monólogo da jovem com o marido em que, aos poucos, ela revela os detalhes mais sórdidos de sua existência. O gatilho do diálogo vem à tona e traumas de infância, a relação com a religião, o casamento, a opressão, o próprio corpo e as decisões (ou não) sobre a própria vida começam a ser articuladas. O marco da virada acontece quando a protagonista se pergunta “as mulheres não falam sobre isso”. A partir daí, suas reflexões com a pedra de paciência – nome dado ao marido influenciado por uma lenda contada pela tia liberal – partem para uma espécie de tomada de consciência e rompimento subjetivo com o status quo. Esse movimento também é acompanhado por contextualizações do “sistema de valores morais” da sociedade afegã – quando guardas entram na casa e ela precisa “se desonrar” – dizendo que vende o corpo – para não ser estuprada. O fato é que a possibilidade de falar sobre si mesma e as próprias questões torna-se um elemento tão libertador quanto fatores externos.
No livro “Bordados”, a proposta de Marjane Satrapi é semelhante, sob outro viés: ela apresenta os bate-papos “entre mulheres” da sua família que aconteciam após o almoço. A autora apresenta como essas conversas eram liberais e a importância de contar as próprias histórias em um mundo onde a voz masculina é predominante.

Esse protagonismo do inconsciente feminino revelado – seja entre mulheres, dentro do casamento ou socialmente – nas obras culturais contemporâneas significa o início de um aprofundamento na subjetividade da opressão. E não estou falando em colocar mulheres como protagonistas, isso não é nada novo – mas, sim, o diálogo, a conversa, o conteúdo da voz, o exercício da relação com o outro que se transforma no catalisador do rompimento com o confinamento social, a separação de gênero – aquilo que só pode ser dito “entre mulheres”, pois “eles”, “os homens”, nunca vão entender.
Esse fenômeno acontece, porque o acúmulo sobre os fatores opressores externos já está em pauta na sociedade – apesar de ainda precisarmos avançar em questões básicas. Mas esse aprofundamento dos elementos sutis – daquilo que não é “visível” e nem pode ser mensurado em estatísticas econômicas, sociais e criminais – representa um passo importante na luta feminista. Afinal o quadro é tão, mas tão gritante que uma atitude tão profundamente humana como falar, conversar e se relacionar com o outro revela o quão desumanamente construímos nossas relações de gênero.

Como mudar de classe social. Por um freezer.

-- Moça, a senhora poderia responder uma pesquisa?
-- Claro.
-- Na sua casa, tem quantas geladeiras?
-- Tem freezer?
-- Quantos carros?
-- TVs?
-- Aparelhos de DVD?
-- Máquina de lavar?
-- Empregada?
-- Qual escolaridade do chefe de família?
-- Huumm... nossa, você saiu da classe por um pontinho. Espera, deixa eu ver aqui...
-- [...]
-- Óh, se você disser que que sua geladeira não tem freezer, eu posso continuar com você. Se te perguntarem, você responde que não tem, por favor?

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Até quando. [2]

Até quando. [2]

Passando email.
-- A de ana, c de clara, fer-ra-ri arroba gmail pon...
-- ferrari com dois erres?
-- isso, fer-rá-ri... do carro mesmo
-- ah, tá... a-c-ferrari-do-carmo arroba... o quê mesmo?

/o\

Até quando.

-- ... Ferrari
-- De quê?
-- Fer-rá-ri, do carro mesmo.

#atéquando?


27/05/2014

Novos tempos. Turismo internacional.

-- Aqui é a Avenida Paulista onde aconteceu aquela passeata enorme em junho que saiu nos jornais do mundo inteiro...
-- Ali é o Masp, museu de arte. As manifestações que ocupam a Paulista geralmente se concentram neste vão...
[...]
-- Tá vendo essa região aqui? É o Largo do Arouche. Os lutadores da causa LGBT se identificam muito com esse lugar...
[...]
-- Aqui é o Largo São Francisco, onde fica o Direito da USP. Se é estudantil, o fervo geralmente começa aqui também...
-- Tem aqui, óh, a Praça da Sé... local histórico de manifestação dos trabalhadores organizados...
-- E sabe esse viaduto lindo? Chama "Viaduto do Chá", aquele prédio ali da ponta é a Prefeitura. Manifestação de pautas variadas garantida todos os dias.


27/05/2014

Vai ter Copa.

Vai ter Copa, vai ter manifestação, vai ter gente na rua gritando Brasil por mais direitos e chuta essa bola direto pro gol. Tudo ao mesmo tempo, junto e misturado. Vai ter gente que até ontem não sabia o que era impedimento desfiando a escalação do Uruguai de cor e gente que até ontem não sabia o que era democracia de fato estufando o peito nas ruas com bandeiras. Vai ter gente dizendo que Joaquim Barbosa é o novo batman tupiniquim e gente dizendo não falei que o Felipão ia amarelar. Vai ter black-bloc querendo misturar joio com trigo e vai ter o torcedor defendendo a retranca conservadora do técnico. Vai ter um país que quer ir para frente, que não se contenta com a Copa, que quer fazer democracia, quer investimento em saúde, educação, transporte, segurança, quer discutir o destino do PIB, quer jogar futebol, quer avançar em direitos. E isso tudo bem misturado -- de pessoas que torcem pela seleção, mas também lutam por um país melhor -- é o cenário mais exemplar que o Brasil poderia dar ao mundo, quando todos os olhos estão voltados para cá. É de encher de orgulho saber que vamos sediar um evento como a Copa em um momento de profunda agitação política. Não estou nem aí para as malas de estrangeiros que podem ser extraviadas como acontece em qualquer lugar do mundo ou com o taxista do aeroporto não ter proeficiência em três línguas. Que venham os jogos, as manifestações, as festas, as concentrações, as bandeiras de países e de reivindicações, o país vai ferver.
04/06/2014

Tempos difíceis.

-- Ana, você tem milhas?
-- Se eu tiver crédito no bilhete único já é muito e fico agradecida.

Dos hábitos. Letra de música.

Até o mundo mineral sabe que não tenho aqueeeeela relação direta com a música, ou melhor, com os artistas. Tenho um gosto geral bastante eclético em que concedo dois terços do “ecletismo” aos afetos musicais da infância e adolescência – período hostil em que a disponibilidade da internet não existia e rádios populares moldavam boa parte do que era possível ouvir.
Não que fosse impossível escapar disso, meus amigos “galera de preto” sempre se defendem diante desses argumentos, mas lá no fundo conseguem desfiar um pagode noventinha de cor. Eu sei que conseguem. Estudei piano erudito e sempre treinava na casa das amigas que tinham um gigante na sala. E, a partir de então, iniciei um processo de separar músicas de socialização com aquelas de gosto pessoal.
No começo, rolava certo constrangimento. Dizer que você super curtia ouvir o “Eternamente, Yolanda” que sua mãe punha no talo para a faxina de sábado não fazia de você “a cool” na rodinha dos 15 anos. Pelo contrário, era até meio brega. Imagina dizer que você sabia cantar “Águas de Março” completinha, sem errar um verso, desde os 5 anos? Um tanto constrangedor em um círculo em que as meninas morriam pelo Backstreet Boys. Você até ouvia, colocava para pensar no bonitinho da escola, se chafurdava em clipes da MTV, mas se bobear nem sabia dizer direito quem era quem. Bom, eu, pelo menos, nunca soube. Rolava um desapego pelos artistas das músicas de socialização – mas as músicas em si, todas elas fizeram parte da minha, ahn, educação afetivo-musical-sentimental.

Com o tempo, o constrangimento mudou de lado. Na escola do pedantismo e do aprendizado da arrogância intelectual, mais conhecida como universidade, as pessoas brotam do além com um gosto tão refinado que nem parecem ter vivido no Brasil. Ou, se viveram, foi em uma super bolha protetora power mega auditivator filter advanced. Aquelas coisas antes “bregas” passam a serem vistas como incríveis e você descobre que aquele par de olho azul gigante, na capa daquele disco que sua mãe arranhou de tanto ouvir, era um ser idolatrado pelas pessoas que você estava se relacionando. E dentro deste mundo, você é empurrado a ser incapaz de pronunciar um gosto musical sem antes saber preencher a ficha cadastral do crediário do artista.
Desse modo, fui incentivada, contraditoriamente ou não, a avançar em alguma relação maior com as músicas que, realmente, eram do meu gosto pessoal. Somado à militância política, o cenário ficou ainda mais completo e complexo.

Quando a balança começa a se equilibrar – e, frise-se, é preciso uma certa maturidade para isso –, você começa a ter mais desapego e é capaz de revelar para si mesmo um dos eixos de um gosto pessoal tão, relativamente, variado. Porque ter um gosto amplo nas músicas de socialização é perfeitamente previsível, mas no gosto pessoal gera um pouco mais de necessidade de reflexão.
No meu caso, são as letras.
Por outras razões que não cabem aqui, minha relação com as letras é tanto quanto ou até maior do que a música em si. Isso explica a última terça parte do meu “ecletismo” musical. Claro que se trata de uma relação dialética, não adianta uma letra perfeita em um tom absolutamente desafinado. Mas, ainda assim, e essa é uma constatação de um hábito frequente: as letras, ultimamente, têm vindo antes da descoberta da música. Na ânsia que todos os seres têm de procurar uma música que transmita ou interprete a fúria ou a calmaria interna, antes do acorde, vou direto para a letra. É um caminho mais árduo, mais difícil, porque nenhuma vai completar... e, se completa, ao ouvi-la não era a sensação desejada.
Está claro que essa fase é parte do processo de aprofundamento da autonomia. Que ainda cause um certo caos e uma angústia um tanto aparentemente irremediáveis, mas fica meu registro da experiência.

Imagina no jornalismo.

(Brasil perde para a Alemanha e Argentina vai para a final)

Minha amiga italiana vendo "Em Pauta", na Globo News
-- Ana Clara, essa mulher só fala bobagem. Ela é jornalista mesmo?
-- Sim.
-- Jornalista mesmo?! Meu Deus do céu! Vocês falam sempre desse jeito?
-- Então, é que...
-- Olha isso! (ela interrompe quando a jornalista faz um gracejo jocoso sobre a expectativa da entrega da taça para o Thiago Silva se transformar na entrega para a Argentina)
-- Esse jornal é o nacional?
-- Não. Esse é o canal específico de notícias, o Jornal Nacional costuma ser pior e...
-- Pior?!?
(a jornalista faz mais um gracejo incentivando a rivalidade mesquinha com os hermanos)
-- Como pode ser pior?!
-- Hum, então... o JN consegue ser neste sentido da sua revolta, sim...
-- Mas não pode ser assim! Ela é uma jornalista...
-- ... então...

domingo, 10 de agosto de 2014

Dia dos Pais.

Garota faceira de três anos com o pai, no buzú.
-- Aííí, pai, sabe o que o amigo da mamãe falou?
-- O quê?
-- Que ele quer namorar a minha mãe...
(pai consente calado, ela continua toda empolgada)
--... e que é pra 'mim' ajudar, sabe...
-- sabe, pai, ele falou "me ajuda, me ajuda"...


#felizdiadospais

No Cometa.

Moça de Jaguariúna ao meu lado.

-- ... e então você mora e trabalha em São Paulo?
-- Sim...
-- Nossa, legal. Eu já fui chamada para trabalhar na capital, mas deve ser muito difícil...
-- Ah, é bem diferente do interior mesmo, é mais corrido, puxado, leva um tempo pra acost...
-- Nem é por isso. Me adapto fácil. É que eu não conheço direito a cidade...
-- Ah, sim. Pensar no deslocamento é importante, mas é pensar no tipo de transp...
-- Não, não é disso que eu tenho medo, não...
-- Ah, é o quê? Segurança?
-- Também não...
-- Custo de vida?
-- Não...
-- O que é?
-- É que eu como eu não conheço bem a cidade...
-- Hum...
-- Eu não sei onde vai alagar...
(Ooooiii?!?!?)
-- Alagar?!
-- É, assim... é que eu tenho cachorro, sabe...
-- Ahm...
(onde esse raciocínio vai parar, céus)
-- aí não dá para morar em apartamento...
-- Sei...
(tudo bem alagar se ela estiver presa no décimo andar, é isso)
-- Então vou ter que morar em casa...
-- Certo...
(falo sobre preço de aluguel ou desisto?)
-- Aí, não vou saber direito onde pode alagar... eu vi na TV, fiquei com receio...
-- Huuuuummm...
(onde vai alagar!!! chupa seca na cantareira!!!)
-- Falei com meu marido, imagina que a gente muda e nossas coisas boiando...
(consinto)
-- ... e ele disse que era só ficar longe do Tietê...
(imagino o papo do casal)
-- É... hum.... er... ããã... por aí...
-- E então desistimos dessa ideia... pelos cachorros...
(e pela lógica)
-- Entendi...
(nada)