terça-feira, 30 de setembro de 2014

Miolo

-- ... e um pão na chapa sem miolo, por favor.
-- Ôôôô, Zé! Manda um na chapa sem juízo pra moça aqui.
Bom dia.

sexta-feira, 5 de setembro de 2014

Alimento

Meu pai sempre demorou muito para terminar uma refeição. Minha mãe falava, ria e comia, eu comia e meu pai se debruçava sobre o prato e ficava horas lá... pensando. Não, não era rezando. Aliás, meu pai não rezava, meditava, e era em outro momento. Mas isso é outra história. De volta à mesa, ele ficava em deferência à comida por longos minutos, a ponto do alimento esfriar mesmo. Era comum. Na minha cabeça, todos os pais faziam isso. Sempre houve um respeito entre nós neste ritual.
Quando entendi que não era algo próprio dos pais, mas do meu pai, questionei. E essa conversa ficou em mim durante muitos anos. Acho que até hoje. Perguntei se ele rezava, ele disse que era algo parecido com isso, mas tentava me fazer entender que não era o Pai-Nosso antes de dormir. Perguntei porque demorava tanto. Ele começou a traçar uma linha de todas as pessoas envolvidas na produção de cada item da comida. O cara que lavrou a terra, o outro que plantou a semente, colheu; ficou atento à chuva, ao sol, ao vento; aquele que distribuiu, cuidou, transportou e chegou até nós. Uma espécie de agradecimento a todos os envolvidos do plano terrestre, não espiritual. Porque o alimento espiritual, como disse, ele buscava em outro momento, na meditação. Aquele era o momento do alimento da terra, aqui, do mundo real, e esse é feito por pessoas, por gente, por humanos e é a eles quem temos de agradecer -- ainda que indiretamente. Eu lembro que, à medida que ele enumerava, calculei rapidamente que, de fato, era muita gente e por isso demorava. Foi bastante revelador e me acompanhou profundamente na minha formação política. Afinal, inverter essa lógica do protagonismo do alimento que fica nos rótulos, na empresa, no patrão que só quer "goumertizar" e ter lucro para o cara que produz, colhe e tem relação direta com a terra é o primeiro passo para entender conjunturas maiores como, por exemplo, a reforma agrária. Porque, sim, é um debate que está à nossa mesa, literalmente, todos os dias. Este artigo faz isso (talvez o título não reflita exatamente o mais importante). A busca por focar nos produtores e agricultores locais para valorizar o que, realmente, vai ser a contra corrente dessa lógica de industrialização bruta da vida alimentar (que passa por transgênicos e afins) já é o botão II do alarme vermelho. O primeiro foi do MST que, há muito tempo, já tem uma política concreta e consciente voltada para este debate em um nível muito mais amplo.