terça-feira, 1 de setembro de 2015

Se a cidade ficasse em silêncio


Se a cidade ficasse em silêncio. Se, por um instante, ônibus, metrôs e carros parassem. As indústrias desligassem suas máquinas, as senhoras as suas batedeiras, se nem o arrastar de chinelos da operária rumo a mais um dia de trabalho, nem o som do cobertor arrastado pelo pai ao cobrir o filho, nem a maçaneta da porta de quem chega atrasado. Chapas de padarias e botecos esfriam, copos e talheres em repouso, o ir vir incessante da vida que pulsa, nada ousa fazer um ruído sequer. Nem o zíper da bolsa da criança que prepara os materiais para a escola, nem o leite fervido para a mamadeira de quem acabou de encarnar neste plano. Se o silêncio da vida predominasse, ratos de esgoto ecoariam aos céus. Patas em metal e asfalto e gritos viscerais pelo último pedaço de carne defunta. O fluir do líquido espesso e ácido que alimenta casas em encanamentos enferrujados, dejetos formam chorume, escorrem pelas calçadas e viram bumbos ao cair e bater no eco profundo das galerias vazias. O vento que uiva nos canais de trem explode seu rumor ao carregar o cheiro fétido que exala pelos bueiros. Se a cidade ficasse em silêncio, tornar-se-ia ensurdecedora.