sexta-feira, 28 de março de 2014

Não tem ninguém assinando

Livraria movimentada. Lançamento de livro. Para a atendente. 
-- Boa noite, por favor, gostaria de levar um livro do Itamar Assumpção
-- É esse do lançamento que está rolando agora?
-- Hum? Por acaso... sim?!
-- Ah, ok, um minuto.
[cara de interrogação]
-- Pronto, só vou fazer a notinha e você passa no caixa.
-- Ok, obrigada.
[atendente chama num canto falando baixinho]
-- Huumm... moça, vem cá...
-- Oi, pois não?
[quase sussurrando]
-- esse lançamento aí...
-- ahn...
-- que você tá levando o livro...
-- sei...
-- vou te contar que não tem ninguém assinando, não...
-- estranho, né?
-- nossa, demais... nunca vi isso...
-- vou te contar... é porque o cara já morreu
-- sério?
-- sim
-- geeeente... 
[ela faz cara de interrogação]
-- ...ah, desculpa, é que eu sou nova aqui
-- tudo bem, acontece

Para Renata, com carinho.

domingo, 9 de março de 2014

Da série: Quando o cara insiste (ou “Estereótipo: ame-o ou deixe-o”)

-- Então você é lorenense...
-- Loreniana não soa muito bem. Fato.
-- Você falou que é perto de onde mesmo? Aparecida de quê?
-- Do Norte.
-- Ah! Da Basílica?
-- Isso. 
-- Que tem a cúpula?
(até onde eu sei, não pensaram em tirar, porque não dá dinheiro e tals)
-- Essa mesmo...
-- Bacana! Você ia muito lá?
(me diz um lugar onde até o papa foi e a rafameia provinciana dos arredores não iria)
-- Sim, claro
-- Que massa. Agora até tem um shopping dentro...
-- An-hãm... faz mais de dez anos...
-- E Pedreira? Você disse que sua mãe e tals... onde fica?
-- Perto de Jaguariúna, no circuito das ág...
-- Ah! Onde tem o rodeio?
-- É. (pausa para a respiração profunda). O rodeio.
-- Cara, é muito famoso!
-- Ôôô
-- Você já foi?
(me diz um universitário campineiro que sobreviveu ao rodeio de Jaguariúna)
-- Sim, claro.
-- Tem até aquela música...
(não, please, god, no, ele não vai cant...)
-- Jaguariúna quer rodeio... dá, dá, dá...
(resquícios de dignidade rolaram mundo afora)
-- Ah, e esse sotaquinho de mineira, hein, aposto que comeu muito pão de queijo em BH
(esse que tá na minha mão vai voar na sua cara daqui a pouco)
-- Sim, a cozinha mineira é bastante comple...
-- Aposto que você foi muito bem recebida. O povo mineiro é muito hospitalei...
-- Sim, inclusive os profissionais com quem trabal...
-- E lá só tem mulher bonita, né. Não te incomodou?
(cê jura que quer saber quem me incomoda?)
-- Não, não. Pelo contrário, tenho muitas amizades por lá.
-- Cara, e ainda tem Paulínia! A refinaria, o cinema...
(junta tudo e fica uma tela lambuzada de diesel nessa sua fuça, infeliz)
-- Pois é, mas tem problemas graves de uso de dinheiro púb...
-- Não, mas agora você é chique, ta na capital!
(ai...)
-- Me conta: você já ficou presa no metrô quantas vezes? Já saiu andando pelos trilhos? O Haddad vai fazer faixa de ônibus até minha casa?
(só se for pra passar o busão da minha havaiana de pau queimandos nessas varetas que cê chama de perna)
-- É, a política de transporte público está em pauta na cidade e...
-- Espera. Agora, vem cá...
-- Ahn...
-- Vamos falar sério
(finalmente, há esperança)
-- Você que passou por tantos lugares...
-- Hum...
-- Me fala a ver-da-de
(muito filosófica essa questão, mas prossigamos)
-- Claro, diga.
-- Quem bebe água de Campinas vira gay mesmo?

Da série: Perguntas casuais difíceis de responder

-- De onde você é?
-- Onde eu nasci?
-- Sim.
-- Em Lorena.
-- Onde fica?
-- Interior de São Pa... 
-- Ué, não é Minas?
-- Não. É perto de Apareci...
-- Mas e esse sotaque?
-- É que morei muitos anos em Belo Horizonte.
-- Aaah, tá, mas então seus pais são de Lorena...
-- Não, agora eles moram em Paulínia...
-- Perto de Lorena?
-- Não, é perto de Campinas, onde eu me formei...
-- Ah, eles te acompanharam quando você foi fazer faculdade?
-- Não. Eles são separados. Moravam juntos, em Paulínia, quando eu era criança...
-- Mas você não nasceu em Lorena?
-- Sim, mas passei a infância em Paulínia e Campinas...
-- Ah, por isso você fez faculdade em Campinas, já estava lá mesmo e...
-- Não, voltei pra Lorena com uns nove anos e fiquei lá até o Ensino Médio...
-- E por que foi estudar em Campinas?
-- Porque minha mãe morava em Pedreira.
-- Pedreira? Não era Paulínia?
-- Sim. Mas Pedreira é perto de Campinas também.
-- Ah, ta. O que ela foi fazer lá?
-- Trabalhar.
-- E por que você não foi junto?
-- Porque eu estudava em Lorena... ela foi pra Osasco, depois pra Pedreira.
-- E Minas? Foi depois de formada?
-- Sim, fui trabalhar.
-- Mas sua família é de onde?
-- Da mãe?
-- Sim.
-- De Lorena.
-- E do seu pai? De Paulínia?
-- Não. De Bragança Paulista.
-- E os dois moram na mesma cidade?
-- Sim.
-- Ah, estão juntos.
-- Não.
-- Eita, mas onde você mora agora?
-- São Paulo.
-- Primeira vez que mora na capital?
-- Não.
-- Ok, desisto. Vou fazer mais fácil: Chuvinha chata essa hoje, não?
-- É... ... huuumm... me dá um minutinho, preciso ver se entrou em estado de atenção.