segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Dos hábitos. Letra de música.

Até o mundo mineral sabe que não tenho aqueeeeela relação direta com a música, ou melhor, com os artistas. Tenho um gosto geral bastante eclético em que concedo dois terços do “ecletismo” aos afetos musicais da infância e adolescência – período hostil em que a disponibilidade da internet não existia e rádios populares moldavam boa parte do que era possível ouvir.
Não que fosse impossível escapar disso, meus amigos “galera de preto” sempre se defendem diante desses argumentos, mas lá no fundo conseguem desfiar um pagode noventinha de cor. Eu sei que conseguem. Estudei piano erudito e sempre treinava na casa das amigas que tinham um gigante na sala. E, a partir de então, iniciei um processo de separar músicas de socialização com aquelas de gosto pessoal.
No começo, rolava certo constrangimento. Dizer que você super curtia ouvir o “Eternamente, Yolanda” que sua mãe punha no talo para a faxina de sábado não fazia de você “a cool” na rodinha dos 15 anos. Pelo contrário, era até meio brega. Imagina dizer que você sabia cantar “Águas de Março” completinha, sem errar um verso, desde os 5 anos? Um tanto constrangedor em um círculo em que as meninas morriam pelo Backstreet Boys. Você até ouvia, colocava para pensar no bonitinho da escola, se chafurdava em clipes da MTV, mas se bobear nem sabia dizer direito quem era quem. Bom, eu, pelo menos, nunca soube. Rolava um desapego pelos artistas das músicas de socialização – mas as músicas em si, todas elas fizeram parte da minha, ahn, educação afetivo-musical-sentimental.

Com o tempo, o constrangimento mudou de lado. Na escola do pedantismo e do aprendizado da arrogância intelectual, mais conhecida como universidade, as pessoas brotam do além com um gosto tão refinado que nem parecem ter vivido no Brasil. Ou, se viveram, foi em uma super bolha protetora power mega auditivator filter advanced. Aquelas coisas antes “bregas” passam a serem vistas como incríveis e você descobre que aquele par de olho azul gigante, na capa daquele disco que sua mãe arranhou de tanto ouvir, era um ser idolatrado pelas pessoas que você estava se relacionando. E dentro deste mundo, você é empurrado a ser incapaz de pronunciar um gosto musical sem antes saber preencher a ficha cadastral do crediário do artista.
Desse modo, fui incentivada, contraditoriamente ou não, a avançar em alguma relação maior com as músicas que, realmente, eram do meu gosto pessoal. Somado à militância política, o cenário ficou ainda mais completo e complexo.

Quando a balança começa a se equilibrar – e, frise-se, é preciso uma certa maturidade para isso –, você começa a ter mais desapego e é capaz de revelar para si mesmo um dos eixos de um gosto pessoal tão, relativamente, variado. Porque ter um gosto amplo nas músicas de socialização é perfeitamente previsível, mas no gosto pessoal gera um pouco mais de necessidade de reflexão.
No meu caso, são as letras.
Por outras razões que não cabem aqui, minha relação com as letras é tanto quanto ou até maior do que a música em si. Isso explica a última terça parte do meu “ecletismo” musical. Claro que se trata de uma relação dialética, não adianta uma letra perfeita em um tom absolutamente desafinado. Mas, ainda assim, e essa é uma constatação de um hábito frequente: as letras, ultimamente, têm vindo antes da descoberta da música. Na ânsia que todos os seres têm de procurar uma música que transmita ou interprete a fúria ou a calmaria interna, antes do acorde, vou direto para a letra. É um caminho mais árduo, mais difícil, porque nenhuma vai completar... e, se completa, ao ouvi-la não era a sensação desejada.
Está claro que essa fase é parte do processo de aprofundamento da autonomia. Que ainda cause um certo caos e uma angústia um tanto aparentemente irremediáveis, mas fica meu registro da experiência.

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