quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Sobre meritocracia. Um pouco da minha história.

Estudei em mais de 12 escolas em toda vida. Até a 6ª série do ensino fundamental (1996) passei por várias escolas públicas. Em todas, via meus amigos esconderem parte de sua cota de bolacha no bolso, porque não tinha o que comer. Não tinha essa de vítima, era comum. Aliás era coisa da malandragem, de esperto. Porque se alguém descobrisse que havia bolacha a mais, não engolida antes de acabar o recreio, corria o risco perder para algum marmanjo esfomeado. Tinha que ser sagaz.
Em 97, minha mãe já estava desesperada sobre o que fazer com minha formação. Não tínhamos dinheiro. Meu maior presente de Natal era uma calça jeans da feira perto de casa. Prestei uma prova de BOLSA para estudar no sistema Objetivo, que tinha acabado de chegar na cidade. Fiquei em 4º lugar. Ganhei 80% de bolsa até o fim do colegial. E ainda assim, com os 20% restantes, perdi as contas de quantos bimestres passei sem apostila, usando a xérox do coleguinha, por atraso de pagamento.
As “amigas” da minha mãe e até algumas tias já tinham decretado o irrevogável: “o lugar da Ana Clara é em balcão de loja; vai ser caixa de supermercado para aprender a viver de acordo com o que ela tem e não com o que ela quer; onde já se viu ELA estudar em escola particular; a Mara vai deixá-la muito mal acostumada”. Minha mãe sempre me empoderou o suficiente para fazer ouvidos moucos. Um universo abriu-se. Guardo a edição do Objetivo de “David Copperfield”, do Charles Dickens, até hoje, quase como um trunfo. Gastei letrinha adoidado de tanto ler e estudar.
Veio o vestibular. Por várias razões que não cabem aqui, pude escolher o curso que quis, mas fui obrigada a morar em Campinas. Não existe jornalismo em universidade pública na cidade, então prestei PUCC e Facamp. Passei nas duas. Era 2002. Por qualidade, optei pela Facamp, o preço da mensalidade era equivalente a um curso de medicina. Só pude estudar porque consegui uma BOLSA de 70%. Não bastou ter sido uma das primeiras alunas da classe no colegial. O meu destino continuava sendo aquilo que a sociedade queria que eu fosse: menina pobre do interior alfabetizada para assinar o próprio nome e abrir crediário. E então tantas outras vezes, me foi decretado: “como assim a Ana Clara vai estudar na Facamp? Aquilo é faculdade pra rico, não pra ela; por que ela precisa disso? É muito puxado; Mara, lá não é realidade para sua filha, você está louca? Saiba que não adianta pedir dinheiro, não vou ajudar”. Não precisamos pedir para ninguém. O que precisávamos já tínhamos conseguido: o acesso.
O restante da minha história, depois de formada, todos já conhecem.


Não gosto de pensar no “Se”. É um exercício especulativo, geralmente vão, que não leva a lugar algum. Mas a convicção da minha história é tamanha que me permito a digressão. Ou melhor, me permito enfiar o dedo na cara de filhinho de papai mimado, que não entende nada de realidade. Que não sabe o que é viver no limiar de uma sociedade injusta e desigual e enche a boca para falar de meritocracia. Take it easy, galera. O mundo é muito maior do que o seu ódio e o seu chorume. E, por gentileza, pega o seu candidato e o governador paulista e vai chorar na Cantareira que, pelo menos, vai ser mais útil.

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