sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Água e processo eleitoral.

Não é só xingar o governador pela incompetência administrativa e associá-lo ao candidato do mesmo partido. É muito pior do que isso.

Vejo que as pessoas reclamam da água, depois da polarização eleitoral e associam uma coisa à outra apenas pelo viés seu-coxinha-desinformado versus seu-petralha-de-uma-figa.

Semana passada, estive em uma reunião do Conselho da Cidade aqui em São Paulo do qual participou Vicente Andreu, diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA). A minha pauta nem era água, era iluminação. Mas fiquei para ouvir e me estarreci.


Depois de uma longa explanação sobre como era formado o sistema Cantareira, Andreu apontou quatro fatos concretos e irrefutáveis:

1)      Nunca atravessamos uma seca tão grande
2)      Existe empenho por parte da Sabesp em suprir a falta de provisão
3)      As decisões que precisavam ser tomadas no passado não foram tomadas (se fossem, a situação seria outra)
4)       O processo eleitoral tem dificultado a tomada de decisão e, consequentemente, tem diminuído as alternativas (de salvar o estado)

De que maneira o processo eleitoral “dificulta” a tomada de decisões importantes?
Andreu explica:
1)      A gestão de saneamento e água distribuída é feita pela Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e Energia). É ela quem regula a tarifa e o controle praticado pela Sabesp.
2)      Como sabemos, o uso de água é semelhante ao de energia: quanto maior a renda, maior o consumo.
3)      Para que a Arsesp reprograme a tarifa em função do consumo, o governador precisa RECONHECER o racionamento, por meio de decreto, porque já existe uma Lei de Saneamento. Em outras palavras, para aplicar tarifa, o governo precisa decretar situação de escassez, o que AINDA NÃO FOI FEITO.
4)      Em termos de estado, você só reconhece uma situação oficialmente, portanto é como se o governo entendesse que absolutamente NADA está acontecendo – que  não existe uma falta de água batendo à porta das casas.

Com esse clima “nada acontece, feijoada”, estamos expandindo o potencial da crise hídrica para toda a Grande São Paulo. Além do decreto, existe outra medida que está inviabilizada por conta do processo eleitoral.

Vicente é didático mais uma vez:
A água que abastece a RMSP vem de duas formas: gravidade e bombas. O volume morto tem 400 milhões m³ de água (mas nem todo ele está disponível). O governo pediu 180 milhões m³. Desses, temos hoje pouco mais de 30 milhões m³.

Quanto entra e quanto sai de água no Sistema Cantareira?
O ideal é que entre 25m³ de água por segundo. Hoje, entram apenas TRÊS m³ e tiramos 24m³. Esta situação está insustentável desde o início do ano e, a partir de junho, NENHUMA regra foi fixada. As medidas que poderiam ter sido feitas antes não foram feitas.

Alternativas?
A médio prazo, a  ÚNICA alternativa é avançar no Volume Morto, não existe nenhuma outra. Poços alternativos e carros pipas podem até resolver em cidades pequenas com, no máximo, 150 mil habitantes. Mas para uma cidade do porte de São Paulo são medidas que, definitivamente, não resolvem.

IMPASSE
Para tirar mais água do Volume Morto, o governo do estado precisa estabelecer as vazões a médio e longo prazo. Ou seja, precisa de um estudo que deveria ter sido entregue em AGOSTO e não foi, porque, como sabemos, seria reconhecer o estado de escassez. Isto significa que teremos que sacrificar nosso FUTURO a médio prazo.

FATO ELEITORAL
O mais importante é que as decisões estão sendo tomadas em nome de vocês, sem vocês escolherem. O reservatório foi tão consumido que tomar um ou outra decisão significa 10 ou 15 dias de administração de governo. Se tivéssemos discutido antes, a situação seria outra. Ou chove ou a RMSP vai ter conviver com restrições absolutamente inéditas na nossa história. A água não existirá.

>> Porque racionamento se faz quando tem água, racionamento sem água é absolutamente incontrolável. Onde não há a opção de fazer o gerenciamento técnico, o resultado é descontrole <<.

O que mais espanta é que a sensibilização para o tema inacreditavelmente não aconteceu, nem nas mídias, nem nos jornais, nem por parte do próprio governo.  

Cultura.
Nós, paulistas e paulistanos, não temos a cultura necessária para nos adaptar a uma situação de escassez. Aqui, com mais água, vamos enfrentar muitos mais problemas com a população do que o semi-árido, por exemplo.

Sobre o período de chuvas.

Honestamente, a única previsão que podemos garantir com segurança sobre chuvas é de 5 dias. Para 15 dias, podemos ter alguma margem de acerto. Mais do que isso, é trabalhar com modelos. Todo instituto sério admite isso. Portanto é leviano trabalhar com previsões de 15 dias ou mais. O único jeito para São Paulo é ou chove, ou chove.

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