quinta-feira, 16 de outubro de 2014

Para Duvivier

Caro, Duvivier
Pela primeira vez na vida, discordo de você. Não do conteúdo, mas da forma. Ou melhor, da forma de concluir. Gosto dos seus textos e te reivindico como aliado importante na luta contra o pensamento conservador e as bizarrices ensandecidas incrustadas em nossa sociedade. Tudo ia bem, com seu humor e ironia peculiares, até você concluir:
"me espanta quando classificam de esquerdistas pautas tão universais quanto a equidade de gêneros e raças, o direito da mulher ao aborto, o direito universal à moradia, à saúde ou à educação. Ser contra a garantia desses direitos universais não é posição política, é falta de serhumanidade”. 
Ser a favor dessas pautas universais é, sim, uma posição política. Eu entendo que você sofra pressão dos reacionários que desqualificam qualquer pauta universal como esquerdismo-caviar, invasão bolivariana, chavismo brasileiro e outros estereótipos risíveis; e talvez até queira dialogar com quem acha que se declarar “não político” está acima do bem e do mal. Eu super te entendo. Mas essa onda marineira (sim, já virou adjetivo) – de não ser nem de lá, nem de cá, nem de lugar algum e reivindicar a ‘serhumanidade’ – demonstrou que não tem força quando as “pautas universais” têm que ser discutidas no palco da práxis, portanto, no cenário político. 
Eu não conheço exatamente bem sua formação política, me parece que você nunca foi um militante (de qualquer organização: movimento social, estudantil, partido, ong, whatever), então talvez seja mais difícil você entender porque é tão caro à esquerda lutar por essas pautas universais com orgulho de fincar o pé em um posicionamento, sim, político. E aí, estou falando em esquerda no sentido bem amplo, desse mesmo que você falou, de lutar por direitos-universais-e-tão-óbvios-meu-deus-do-céu. Quando você defende um negro sendo espancado por policiais na rua, ou um homossexual sendo achincalhado na Paulista, ou dá condições para uma mulher se livrar da violência doméstica, você está tomando uma decisão política. Mas, Ana Clara, política é outra coisa, é aquela coisa nojenta lá do Congresso. Não, cara, não é. Ou é também. Quando você faz aquilo, você defende, mesmo sem querer, a história de pessoas que lutaram arduamente para que esse país não virasse a reedição do feudalismo no século 21 (ou do holocausto, para ser mais atualizada); que lutaram pela democracia, pelo direito de se organizar, de se expressar, de avançar na conquista de direitos. E, se quisermos ser conseqüentes, queiramos ou não, a aplicação desses direitos universais não vai a lugar algum pela “serhumanidade” se não pela disputa política (que vai muito além da forma institucional como eleição, congresso, senado, etc), no cenário concreto e real das coisas; e não na comparação entre cliques e likes entre uma revista e um jornal. 
Veja bem, estou te dizendo isso com o maior carinho do mundo. Porque quero que você permaneça nesse combate, conte comigo e saiba que, sim, quem é contra esses “direitos universais” está tomando uma decisão política (não necessariamente de direita ou de esquerda, mas uma posição) – mais fácil seria, aliás, classificá-los como ‘maquiavélicos’, encaixá-los como vilões dessa novela chamada Brasil e dizer que não passam de bobos, chatos e feios. A briga não é fácil. Mas não tenha receio. Você tem aliados. E muitos. E aliados políticos: no melhor, maior e mais revolucionário sentido do termo.

Artigo: Ser Humanidade, por Duvivier

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