domingo, 5 de janeiro de 2014

Sobre os diários do holocausto.

Estou no terceiro. Comecei tardiamente, é certo, com Anne Frank depois dos 20 anos. Em seguida Dawid Sierakoviak e, por fim, Helga. É incrível como a literatura pode ser muito cruel. Não por causa do óbvio: o conteúdo dos diários, que relatam fatos de natureza vil por si. Mas por causa da comparação.

Anne Frank dispensa apresentações e Sierakoviak é profundamente intenso. Ele escreve até os últimos dias de vida, até os últimos suspiros. Morreu de fome e outras “doenças comuns” do gueto, em Lódz, onde (não) viveu com mais 60 mil judeus. São dois livros que, depois de ler, você fica com a sensação de que a humanidade te deu um tapa na cara e lateja por semanas. Mas Helga não. E é aí que reside a crueldade. 
Existem explicações técnicas. Por exemplo, o livro é um misto de diário infantil com escritos posteriores editados e reeditados, muitas notas com separação temática em que a cronologia não coincide. Só o prefácio de como o livro foi organizado já dá certa desorganização mental. Ela começa a escrever com oito anos e “termina” com quinze. Não há muita diferenciação de estilo, portanto não parece nem uma menina de oito, nem uma adolescente de quinze, nem uma adulta revivendo suas memórias.
E então, você, cara pálida, que tem noção da importância de um relato como esse, começa a se sentir culpada por não estar tão, digamos, afetada com a história. Mas você continua. Culpada, mas prossegue. A história acaba. E fim. Na sua caixinha de afetos literários, Helga não ficou amiguinha de Anne nem de Dawid. E olha que ainda tem desenhos feitos por ela durante as prisões e, no final, uma entrevista com autora. Mesmo assim, sua imaginação não foi parar em como seria a adaptação para o cinema. Ficou ali, na superficialidade do relato.
Se eu parasse nas questões técnicas, resolveria o problema. Mas, de alguma forma, isso me intrigou. Explicações subjetivas podem também fazer sentido. Por que Anne e Dawid não poderiam ter sido talentos abortados e Helga não? Será que os diários de Anne e Dawid surpreendem mais porque eles têm o discurso hábil? Ou Helga, posteriormente, mexeu tanto no texto que perdeu o caráter inicial? A autora afirma ter acrescentado informações para ajudar o leitor. Será que se tivesse mantido o relato infantil teria salvado ou teria ficado mais enfandonho? Ou, pior, será que esse movimento cruel está na leitora? Será que, por ser uma realidade tão distante, a selvageria da vida nos transformou em qualquer coisa?
Não quero crer que sou incapaz de me abalar com essa história. Frank e Sierakoviak não deixam. Helga passou por tudo aquilo destinado aos judeus que viveram aquela época. Com algumas distinções. Ela foi parar em Terezín, depois em Birkenau e, só Deus sabe, conseguiu se livrar dos “transportes”. Passou fome, frio, cansaço, tifo, piolho, perdeu o pai, amigos, parentes, viu a “paz” chegar pelas mãos dos russos em Manthaussen e se desfalecer três anos depois com a invasão soviética na República Tcheca. Mas não. Talvez eu até siga culpada por causa de Helga, mas não vou forjar a impressão sobre um livro

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