terça-feira, 13 de outubro de 2015

Nota de leitura. "O dia de um escrutinador", Ítalo Calvino.

Notas de leitura. É meu quinto livro do Ítalo Calvino ao longo da vida. Já estou naquele ponto de se sentir íntima da criOnça, quase como o Fernando Pessoa que, muitas vezes, tenho certeza habitar em mim todas as versões femininas (e feministas) de seus heterônimos. Aliás, outro dia, estava pensando como seria a Alberta Caeira. Fodona que só ela. A Alvina de Campos, então, ia rodar a baiana, mas ia cansar de ouvir da família brasileira "também, quem mandou usar esse short curto".
Voltemos ao italiano.
Chama "O dia de um escrutinador" e, me indicam as notas do autor, é praticamente o relato de uma experiência auto-biográfica.
Amerigo cumpre uma função de mesário durante eleições importantes na Itália. É a primeira depois de um longo período sem o exercício da democracia. Ele, um membro pouco orgânico de um partido de esquerda, é convocado a passar o dia cumprindo sua função cidadã em um hospício distante.
Como parte da estratégia dos "democratas-cristãos" era incluir inválidos, defuntos, incapazes e monasteristas para não "correrem o risco" de perder para os comunistas, medo clássico do meio do século passado, Amerigo se viu diante de situações em que suas próprias convicções sobre normalidade, moralidade e consciência política são abaladas.
Como sempre, para não ter spoilers e também para registrar ~primeiras~ impressões, estou na metade final do livro.
Esta obra diferencia-se das outras que marcam o estilo de Calvino. Não há o humor lancinante que cria uma realidade fantástica em duas frases como "O Cavaleiro Inexistente" ou as metades do Medardo em "O Visconde Partido ao Meio", tampouco a narrativa complexa do "Se um viajante numa noite de inverno" e passa mais longe ainda do "Por que ler os Clássicos".
Neste livro, Calvino se aventura, sem nenhuma licença poética, nas reflexões políticas de uma Itália ainda fissurada, de um modo que só a "licença literária" pode construir. Ainda que seja sob uma perspectiva predominantemente individual, Amerigo está sempre reavaliando seus conceitos em sua relação com o outro, que é próximo e distante, tão igual e tão diferente.
"O dia de um escrutinador" diz muito mais sobre a humanidade entre as linhas do que quando necessariamente fala-se sobre ela.
BUT, como não podia deixar de ser Calvino, ele lança mão de cenas hilárias e situações bizarras para costurar sua narrativa. Recomendar o italiano, pra mim, virou pedir xícara de açúcar no vizinho de tão clichê. Mas vale o corre pra quem procura um perspectiva literária da vida real da democracia (ou melhor, dessa democracia).

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