quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Notas de leitura. Antonio Candido. "Iniciação à literatura brasileira".

Não queria falar do Antonio Candido sem ter outro livro engatado. Ele é conhecidíssimo entre os seus, venerado nas letras, quase um pleonasmo na cultura literária do país, Aquele-que-deve-ser-nomeado nos quatro cantos da Academia quando a pauta é humanas. Então pensei: falar dele vai ser a maior punhetação do planeta. Há alguma coisa que já não tenham dito sobre o quanto ele é foda? Não. Acho que não. Até uma colega de trabalho, que acabei de conhecer, ver um livro dele na minha mesa e soltar "MANO, esse cara é do caraleo. Conheci na minha pós este ano. Como eu vivi tanto tempo sem saber que ele existe?". E me recoloquei no mundo.
O livro chama "Iniciação à literatura brasileira". O autor tinha escrito a pedido de uma editora italiana que ia fazer um compilado, a obra não rolou e ele aproveitou os escritos para publicar esse livro. É pequeno, rápido, simples, curto e grosso e uma grande aula de literatura. Sem muitos formalismos e expressando opiniões contundentes, Antonio Candido traça um panorama literário desde o século 16, quando ele entende que começa a haver literatura em terras brasileiras (não necessariamente escrita por brasileiros).
Corre em paralelo à cronologia e ao tatibitate de quem é quem na fila do pão em determinada época, a história da formação do sistema literário brasileiro que, obviamente, passa pelas transformações e turbulências políticas deste Brasil varonil (e dá até para ter um consolo de quantos 2015 tivemos ao longo da história do nosso país nada feito para amadores).
E se você é daqueles que faz uma cara meio feia para essa exaltação anacrônica dos hipsters do século passado, que não saem do centro expandido e falam em nome do povo, sugiro que leia "A cidade das letras", do Angel Rama, um crítico literário uruguaio (mas ele fala da América Latina, incluindo o Brasil). Não para ficar feliz. Nem espere um alento. É para ficar ainda mais puto mesmo sobre como a história da academia é se descolar da realidade. Não por acaso, Antonio Candido o considera o maior crítico de seu tempo.
O nosso brasileiro não se aprofunda nessas questões (não neste livro) porque não é a proposta da obra. "Iniciação..." é exatamente aquilo que se propõe: um livro rápido que te guia (e te dá dicas ótimas) para navegar em águas cativas e ser preciso Emoticon wink
Por fim, entrei no mar da coletânea História da Literatura Ocidental do ‪#‎Carpeaux‬ Emoticon heardireto no livro 6 - Romantismo (ok, me julguem).
E fiz uma descoberta curiosa: Jane Austen é considerada pré-romântica. Lidem com isso.
Volto depois para falar do Otto Maria e essa edição de bolso cujo objetivo EXPRESSO é "popularizar" o hómi, mas são incapazes de traduzir trechos e notas em alemão (tem até poesia para os super fluentes). Sobrou pedantismo e/ou um cadinho de irresponsabilidade.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Nota de leitura. "O dia de um escrutinador", Ítalo Calvino.

Notas de leitura. É meu quinto livro do Ítalo Calvino ao longo da vida. Já estou naquele ponto de se sentir íntima da criOnça, quase como o Fernando Pessoa que, muitas vezes, tenho certeza habitar em mim todas as versões femininas (e feministas) de seus heterônimos. Aliás, outro dia, estava pensando como seria a Alberta Caeira. Fodona que só ela. A Alvina de Campos, então, ia rodar a baiana, mas ia cansar de ouvir da família brasileira "também, quem mandou usar esse short curto".
Voltemos ao italiano.
Chama "O dia de um escrutinador" e, me indicam as notas do autor, é praticamente o relato de uma experiência auto-biográfica.
Amerigo cumpre uma função de mesário durante eleições importantes na Itália. É a primeira depois de um longo período sem o exercício da democracia. Ele, um membro pouco orgânico de um partido de esquerda, é convocado a passar o dia cumprindo sua função cidadã em um hospício distante.
Como parte da estratégia dos "democratas-cristãos" era incluir inválidos, defuntos, incapazes e monasteristas para não "correrem o risco" de perder para os comunistas, medo clássico do meio do século passado, Amerigo se viu diante de situações em que suas próprias convicções sobre normalidade, moralidade e consciência política são abaladas.
Como sempre, para não ter spoilers e também para registrar ~primeiras~ impressões, estou na metade final do livro.
Esta obra diferencia-se das outras que marcam o estilo de Calvino. Não há o humor lancinante que cria uma realidade fantástica em duas frases como "O Cavaleiro Inexistente" ou as metades do Medardo em "O Visconde Partido ao Meio", tampouco a narrativa complexa do "Se um viajante numa noite de inverno" e passa mais longe ainda do "Por que ler os Clássicos".
Neste livro, Calvino se aventura, sem nenhuma licença poética, nas reflexões políticas de uma Itália ainda fissurada, de um modo que só a "licença literária" pode construir. Ainda que seja sob uma perspectiva predominantemente individual, Amerigo está sempre reavaliando seus conceitos em sua relação com o outro, que é próximo e distante, tão igual e tão diferente.
"O dia de um escrutinador" diz muito mais sobre a humanidade entre as linhas do que quando necessariamente fala-se sobre ela.
BUT, como não podia deixar de ser Calvino, ele lança mão de cenas hilárias e situações bizarras para costurar sua narrativa. Recomendar o italiano, pra mim, virou pedir xícara de açúcar no vizinho de tão clichê. Mas vale o corre pra quem procura um perspectiva literária da vida real da democracia (ou melhor, dessa democracia).

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Se a cidade ficasse em silêncio


Se a cidade ficasse em silêncio. Se, por um instante, ônibus, metrôs e carros parassem. As indústrias desligassem suas máquinas, as senhoras as suas batedeiras, se nem o arrastar de chinelos da operária rumo a mais um dia de trabalho, nem o som do cobertor arrastado pelo pai ao cobrir o filho, nem a maçaneta da porta de quem chega atrasado. Chapas de padarias e botecos esfriam, copos e talheres em repouso, o ir vir incessante da vida que pulsa, nada ousa fazer um ruído sequer. Nem o zíper da bolsa da criança que prepara os materiais para a escola, nem o leite fervido para a mamadeira de quem acabou de encarnar neste plano. Se o silêncio da vida predominasse, ratos de esgoto ecoariam aos céus. Patas em metal e asfalto e gritos viscerais pelo último pedaço de carne defunta. O fluir do líquido espesso e ácido que alimenta casas em encanamentos enferrujados, dejetos formam chorume, escorrem pelas calçadas e viram bumbos ao cair e bater no eco profundo das galerias vazias. O vento que uiva nos canais de trem explode seu rumor ao carregar o cheiro fétido que exala pelos bueiros. Se a cidade ficasse em silêncio, tornar-se-ia ensurdecedora.

terça-feira, 26 de maio de 2015

camada fina de areia

camada fina de areia
sob o impenetrável
não se pega nem um punhado
ainda assim, 
estendo minha cadeira
e fico sob o sol

se o vento do ocaso 
desfaz o cenário 
o bronze, beibe
está garantido 

sexta-feira, 27 de março de 2015

Brasil a pé.

Acabei de passar pela Praça da República e vi greve de professores para todo lado. Tudo organizado: credenciamento, jurídico, materiais e aquela certeza da luta de trabalhadores que contagia e irradia. Gente que faz educação no chão da escola e confesso que até fiquei com vergonha dos meus parcos pequenos desejos de médio prazo (esses que você vai pensando no caminhar da vida). Ao atravessar o viaduto do chá, vi um homem ajoelhado recebendo a pregação de um outro homem, figura carimbada do centro, que sempre berra, soca na bíblia, e berra de novo. Ele pregava, pregava e pregava aquela culpa eterna e dizia que todos os problemas serão resolvidos assim que você passar na fila do caixa rumo ao paraíso; aqui, meu caro, desiste. Andei mais um pouco e quando já fazia a curva para entrar na Prefeitura, ouvi um lindo e sonoro "somos CONTRA a redução da maioridade penal" enfáticas e repetidas vezes. Me arrepiei inteira. Foi quando me dei conta de uma Praça do Patriarca lotada de crianças e jovens... rezando. Na faixa do carro de som "via sacra pelas crianças, adolescentes e jovens". E, entre uma oração e outra, lindas intervenções contra a redução, de emocionar gente descolada como eu.
O Brasil não é mesmo para amadores.
E não abro mão de vir trabalhar a pé pelo centro.

Que ideia origin... não, péra.

Eu gosto de acompanhar esses casos ‪#‎fail‬ da publicidade, não só pela questão feminista, mas também pelo processo de criação. Porque, ao contrário do que se imagina, não se trata de "limitar" a criatividade com chatices-politicamente-corretas, trata-se de eliminar as amarras do preconceito de todas as formas no processo criativo.
Não é muito mais incrível imaginar uma narrativa que dê conta de um mundo em transformação? Ah, Ana Clara, mas aí tem que pensar demais. Fica difícil fazer propaganda com tantas variáveis. É, a vida é dura até pra vocês, meus caros.
Mas eu sou otimista: quero crer que os publicitários querem se superar e não apenas repetir fórmulas, certo? Isso que dá o toque original, que se torna inesquecível e não um mega gerenciamento de crise arrancando cartazes madrugada afora ou administrando um completo tiro no pé em nome de esmalte.
Reproduzir preconceito todo mundo faz, não é nada original. E, para usar as palavras que chegam aos ouvidos, tem se demonstrado pouco lucrativo.
É certo que a publicidade é um instrumento a serviço do lucro (e do capitalismo, num sentido mais abstrato), portanto não se importa muito em perpetuar preconceitos e trabalhar com reducionismos e generalizações, entretanto o custo de fazer o "veja bem" tem atrapalhado não só a criatividade, mas também o bolso.
E, desse imbróglio todo, o que me deixa curiosa é o fato de a empresa do produto em questão chamar TODA a responsabilidade para si, de modo que o nome da agência responsável, na maior parte dos casos, fica totalmente blindada. Não que a empresa não tenha que pagar, pelo contrário, mas essa falta de "distribuição da culpa" me intriga de alguma forma.

3 horas.

Acorda cedo para a academia. Vê no celular que tem reunião às 09h.
Desiste da academia e volta a dormir. 10 minutos depois. Lembra que a água da casa só chega às 09h. Decide ir à academia de novo. Vai e volta correndo.
Se arruma em 15 minutos. Lembra que tem festa. Troca de roupa. Joga lenço, meia-calça e jaqueta na bolsa. Tempo louco. Reza para o estojo de maquiagem estar lá dentro. Você não lembrou de pegar. Sai correndo. Responde email e wtzap no caminho. Metrô lotado e celular em edge. Descobre que a reunião não existe. Vai tomar um suco. Pensa se era essa mesmo a roupa que queria estar, não fosse a pressa. Senta no PC e descobre que vai ter um longo dia de trabalho... sem óculos. E ainda são 11h.